quarta-feira, 17 de outubro de 2018



Mulheres e eleições: para além da representatividade

            Em um ranking de 190 países sobre a presença feminina em parlamentos, o Brasil amarga a 152ª posição, com apenas 10,5% de mulheres na Câmara dos Deputados[1]. Em 2009, o Tribunal Superior Eleitoral passou a exigir um mínimo de 30% de candidaturas femininas nos partidos, além de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha fossem destinadas às candidaturas femininas. No entanto, o que a maioria dos partidos políticos brasileiros faz é encontrar uma maneira de cumprir a lei, lançando apenas o mínimo exigido de candidaturas e ainda fazendo uso de “candidatas-fantasma”, isto é, registro de candidaturas femininas sem o conhecimento das próprias candidatas ou que, apesar de registradas, não recebem a verba do fundo partidário[2].
            A ausência de mulheres na política brasileira também é evidente no poder Executivo, tendo ficado patente após o Golpe de 2016 quando, pela primeira vez em 37 anos, instituiu-se uma equipe ministerial sem nenhuma mulher. Nada surpreendente vindo de um presidente ilegítimo e reacionário que tirou da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres o status de ministério e que reduziu o papel das mulheres às funções domésticas ao tentar “homenageá-las”[3].
            Uma análise sobre a política nacional e internacional dos últimos anos evidencia que a representatividade importa, mas não basta. Ao mesmo tempo que o aumento da participação feminina representa um avanço civilizacional, sabemos que não basta pertencer à minoria, é preciso realmente fazer política para a minoria.
            E o que significa isso?
            Sabemos que o capitalismo se beneficia das opressões, pois para ele é conveniente que existam grupos marginalizados e estigmatizados – como mulheres, afrodescendentes, indígenas e LGBTs – criando subclasses de trabalhadores e um exército de reserva, facilitando, dessa forma, uma maior extração de mais-valia do trabalho desses grupos.
            Por esse motivo, ao nos depararmos com candidaturas que afirmam representar as minorias, precisamos analisar em que consiste seus programas políticos. Como uma candidata que afirma ser defensora das mulheres pode ser contra o direito ao aborto e não ser feminista? Como um candidato negro pode ser radicalmente contrário às cotas raciais e ao Dia da Consciência Negra?
            Sabemos que representatividade vende e dá votos, por isso é preciso sempre fazer uma avaliação crítica nesses tempos eleitorais. Muitos partidos tradicionais têm lançado, de forma oportunista, candidaturas com essa fachada representativa das minorias. Até mesmo Geraldo Alckmin recentemente declarou apoio ao #elenão, em um oportunismo grotesco da luta das mulheres contra o fascismo que ele e seu partido, ao se aliarem com os setores mais conservadores da política para tramar o golpe de 2016, ajudaram a alimentar.  E o que dizer de sua vice, Ana Amélia, que é representante do setor agropecuário, contrária ao aborto e cortejada pelo MBL?
            São figuras que defendem as reformas trabalhistas e da previdência, o congelamento do teto de gastos, o Escola sem Partido, e todas essas medidas que golpeiam a classe trabalhadora e, principalmente, as minorias já precarizadas.
            Desde o brutal assassinato de Marielle Franco, intensificou-se um movimento para a eleição de mais candidatas mulheres. Sabemos, no entanto, que Marielle incomodou o status quo não só por ser negra, feminista e lésbica, mas porque e, principalmente, por sua militância socialista e obstinada contra a militarização do Rio de Janeiro.     Como observou a militante e teórica Angela Davis, “numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser anti-racista”. Por isso, candidaturas que realmente representem esses grupos devem opor-se de forma intransigente a essas medidas de retiradas de direitos dos trabalhadores e de viés autoritário. Essas candidaturas devem autoproclamar-se feministas e combater firmemente o racismo, o neoliberalismo, a repressão e o fascismo.
            Afinal, como também afirmou a própria Angela Davis, “Eu preferiria um candidato branco, que criticasse o capitalismo, o inter-racismo e as prisões do que um candidato negro que é do status quo”. Para isso, nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro não desassociamos nossas bandeiras políticas das pautas classistas e revolucionárias. É necessário resgatarmos as lutas históricas, muitas com origem em cenário socialista e trabalhista, desvencilhando-as de um viés meramente identitário, empoderador, movimentista e representativo.



[1] https://g1.globo.com/politica/noticia/em-ranking-de-190-paises-sobre-presenca-feminina-em-parlamentos-brasil-ocupa-a-152-posicao.ghtml
[2] https://www.cartacapital.com.br/diversidade/como-identificar-possiveis-candidatas-laranjas
[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/08/politica/1489008097_657541.html

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