quinta-feira, 20 de dezembro de 2018




Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes

            Em 18 de maio de 1973 uma menina de 8 anos da cidade de Vitória (ES) foi sequestrada, violentada e assassinada. Seu corpo foi encontrado carbonizado seis dias depois e os agressores nunca foram punidos. Com a mobilização e repercussão do caso, o 18 de maio passou a ser o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes. Apesar de ser uma luta diária, o referido mês é uma oportunidade de enfatizar as raízes do problema para, assim, tentar combater parte de uma estrutura social e cultural.
            Desde 2003, quando o Governo Federal implantou o serviço de denúncias – o Disque 100 – são registrados vários casos de violência sexual por ano. Naquele ano foram 4.494 denúncias, já no ano de 2014 os números foram de um aumento alarmante, em 24.575 registros. Desses casos, 19.165 foram de abuso e 5.410 de exploração sexual infantil. É válido constar que a maior parte dos crimes, ou seja, 61%, são contra meninas e, deste número, 81% correspondem à denúncias de violência sexual.
            É importante ressaltar que a violência sexual é atribuída a uma série de fatores sociais, culturais e econômicos. Existe uma linha de diferença entre o abuso sexual e a exploração sexual, ambas confundidas e consideravelmente distintas.
            O abuso sexual não é caracterizado somente pelo contato físico, como quando ocorre o estupro, "carícias" nos órgãos sexuais e tentativas de relações sexuais também o configuram. Igualmente fazem parte do conceito de abuso sexual: o assédio (propostas de relações sexuais por ameaça/chantagem); o abuso sexual verbal (conversas sobre atividades sexuais a fim de despertar o interesse da criança para esse fim ou chocá-la); o voyeurismo (observar atos ou órgãos sexuais de outras pessoas quando essas não querem ser vistas); exibicionismo (se masturbar ou mostrar órgãos genitais em frente à crianças); e, por fim, a pornografia.
            Contudo, a exploração sexual é praticamente caracterizada por uma relação sexual entre um adulto com uma criança/adolescente mediada por pagamento de qualquer tipo. Assim como o abuso sexual, existem inúmeras formas de exploração, quais sejam: o tráfico para fins sexuais; a exploração sexual agenciada (quando há intermediação de uma ou mais pessoas ou serviços. Ex: cafetão, bordéis, etc.); a exploração sexual não-agenciada (prática de atos sexuais realizada por adolescentes/crianças mediante pagamento, droga ou serviço.); e, a pornografia (aqui, conforme dispõe o artigo 240, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, quando há produção, comercialização, exibição e utilização de material com cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes ou imagem, com conotação sexual, das partes genitais de uma criança).
            Como dito acima, a maioria dos casos de abuso sexual contra crianças acontece com meninas, parte disso devido a uma cultura patriarcal que tem como padrões de beleza corpos infantilizados. Há uma espécie de "somatória" entre ser mulher e ser menina, onde a primeira, já inferiorizada, passa a ser ainda mais diminuída se criança, o que constitui um agravante para tal, dada a facilidade maior para agressores a tornarem alvos.
            Essa cultura patriarcal tem como característica a romantização da pedofilia que acontece visando o lucro principalmente na indústria pornográfica, onde o abuso e o consentimento de menores para fins sexuais são banalizados. Para além, as atrizes, mesmo quando adultas, para reforçar o estereótipo acriançado, são submetidas a vestimentas infantis e uniformes escolares. Atualmente um pedófilo chega a pagar de 3 a 4 mil euros para ter acesso a sites dessa natureza e, em 1996, quando a internet não tinha o alcance que tem nos dias de hoje, os lucros alcançaram a cifra de 2 milhões de dólares. Já em 2005, o lucro obtido pela pornografia infantil totalizou 20 milhões de dólares. Sendo assim, cresce cada vez mais a busca comercial pelo mercado pornográfico, que rende e enriquece pessoas às custas de abusos influenciados por desejos fomentados e não problematizados pela sociedade.
            O prognóstico para o fim dos abusos na infância pode não ser positivo nos tempos sombrios pelos quais passamos. Existe um movimento fortemente organizado, liderado pelas alas conservadoras, que hoje possuem hegemonia política no legislativo e no executivo, que luta contra políticas de educação sexual. Essa batalha, principalmente para retirada do debate nas escolas e nos espaços públicos como um todo, se pauta em um discurso moralista e conservador que entende educação sexual como uma forma de sexualização da infância, quando, na realidade, é justamente o oposto.
            A educação sexual nas escolas é a única garantia de que todas as crianças terão conhecimento do seu corpo, do que é saudável e do que é abuso. O movimento conservador quer que essa tarefa seja exclusiva da família, sendo que é nesta seara onde mais ocorrem os relatos e denúncias de abusos. Ademais, são em sua maioria as famílias que nunca sequer falam sobre sexualidade com seus filhos por conta de um moralismo religioso que as ronda. Deste modo, diante essa desinformação omissiva e negligente, todas essas crianças ficarão desamparadas caso essa abominável censura seja posta em vigor. O carro chefe do movimento contra a educação sexual era o Escola Sem Partido que, felizmente, não avançou nesse ano de 2018. Mas ante a hegemonia política dos conservadores e ante discursos esdrúxulos de figuras importantes e do próprio presidente eleito sobre a educação sexual – sempre fundados em distorções e mentiras, como no famigerado caso do inexistente kit gay – devemos estar preparadas para lutar por essa questão fundamental nos anos que estão por vir.
            Portanto, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes se faz importante por dar visibilidade ao tema, mas não é suficiente para o combate, visto que se trata de um problema enraizado e menosprezado por nossa sociedade. Deste modo, nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro entendemos que estes crimes requerem outras formas de combate que visam a questão social e não individual do impasse, desde a educação sexual para crianças até a supressão dessa cultura patriarcal e capitalista que corrobora para que muitos casos de abuso e exploração aconteçam.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018




Mulheres e Trabalho: Assédio Moral e Sexual

            A inserção das mulheres no mercado de trabalho formal é um marco histórico do avanço do movimento feminista ao longo do século XX. O reconhecimento do trabalho feminino fora do espaço doméstico é uma grande e inegável conquista de direitos sociais e de autonomia às mulheres. Mas esse processo não se deu sem contradições. A estrutura patriarcal conformada sob as bases do capitalismo encontra diversos mecanismos para conservar os grupos oprimidos em sua posição social marginalizada.    Quando falamos de mercado de trabalho, sabemos que as mulheres ocupam, em geral, os empregos mais precarizados, com menor remuneração e estão em cargos inferiores aos homens. Tal processo é funcional e fundamental à manutenção da ordem capitalista, a medida em que rebaixa-se o custo com a força de trabalho seja por menores salários e/ou pela não garantia de direitos trabalhistas. Trata-se, assim, da lógica da sociedade capitalista-patriarcal em se apropriar das diferenças entre sexo para reproduzir desigualdade social, elevando a taxa de exploração do capital através da inferiorização do trabalho feminino.
A cultura machista e a misoginia não se manifestam apenas na diferença salarial ou nos cargos ocupados. A relação de poder e desigualdade entre homens e mulheres é permeada por outras formas de violências no ambiente de trabalho, sobretudo, nas práticas de assédio moral e sexual em que as mulheres são submetidas cotidianamente. Tais práticas consistem na exposição à situações de constrangimento e humilhação; em piadas e comentários e inferiorização da função ocupada, como, “lugar de mulher é na cozinha”; em cantadas e insinuações para obter algum tipo de favorecimento sexual; entre outros exemplos mais que podem ser abstraídos de relatos do cotidiano.  Embora os homens também possam sofrer com assédio no trabalho, dados do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE apontam que as principais afetadas são as mulheres. Nota-se: a) 73% do assédio moral é sofrido por mulheres, onde as mulheres negras representam o maior percentual; e, b) no caso do assédio sexual, os números são ainda mais alarmantes, pois as mulheres correspondem a 99% das vítimas assediadas.
Esse contexto reafirma mais um dos elementos através do qual a estrutura patriarcal opera: a objetificação dos corpos femininos. A hipersexualização das mulheres as submete incondicionalmente aos desejos sexuais masculinos ao passo que, autoriza os homens a constrangê-las e assediá-las em qualquer espaço, inclusive nos locais de trabalho. Nesse caso, a violência pode ser uma forma de coação e chantagem com ameaças de demissão ou com promessas de ascensão profissional colocando em risco não apenas o emprego, mas afetando também a saúde mental e emocional dessas mulheres. Apesar do Código Penal brasileiro qualificar o assédio sexual como crime, a cultura machista que frequentemente culpabiliza as vítimas, desencoraja a busca por meios jurídicos de denúncia a estas práticas. O medo por retaliações ou mesmo os entraves para comprovar o assédio sexual, dificulta a proteção legal das mulheres e a punição dos agressores, haja vista que estas situações ocorrem muitas vezes por meio de insinuações, de forma velada ou, ainda, em alguns episódios, são até toleradas, sendo entendidos como “brincadeiras” pelos que rodeiam o assediador.
Embora ainda estejamos longe de superar este cenário de violência, destacamos os crescentes movimentos de denúncias e campanhas encampadas por coletivos e difundidas nas redes sociais como instrumentos de enfretamento aos diversos assédios sofridos pelas mulheres. A luta das mulheres tem explicitado que as diferentes violências machistas e misóginas não serão mais toleradas, pois cada vez mais o movimento feminista tem avançado contra a sociedade patriarcal e as diversas formas de opressões de gênero.
Nós, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, acreditamos no necessário fortalecimento da atuação e organização das mulheres em todos os espaços para combater a cultura machista, bem como entendemos que esta luta deve estar articulada ao enfrentamento ao sistema capitalista para destruir a estrutura patriarcal que estamos submetidas. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018




Dia Mundial de Combate à AIDS

A AIDS, doença causada pelo vírus HIV, foi reconhecida no ano de 1981. Seu surgimento está relacionado com um vírus presente em macacos que sofreu mutação infectando, por consequência, seres humanos. Há teorias de que a primeira transmissão teria sido década de 1930, porém é na década de 80 que a doença se torna conhecida mundialmente.
Quando surgiu, a doença foi associada aos homossexuais, sendo esse o público mais infectado nos primeiros anos em que se dissipou – porém, atualmente, este cenário não é mais uma realidade. Com o passar do tempo, o HIV se disseminou em homens e mulheres das mais variadas idades e hoje consiste em uma realidade complexa e diferente.
Os primeiros pacientes infectados recebiam o diagnóstico da doença como uma sentença de morte. Pouco conhecida e sem tratamento eficiente, os que contraíram HIV nas décadas de 80 e começo de 90 contavam seu tempo restante de vida. Hoje o tratamento é bastante eficiente, ainda não proporcionando sua cura, porém garantindo uma sobrevida com mais tempo e qualidade. Ainda que tal avanço constitua um ganho, ao mesmo tempo ele também é responsável pela atual volta da onda de contágios.
Os pacientes em tratamento, hoje, levam uma vida regular, ainda que com os efeitos colaterais dos remédios, o que faz com que não pareça tão difícil conviver com a doença e diminui a preocupação entre os jovens. Estudos recentes mostram que o contágio entre essa população cresceu nos últimos anos e principalmente entre mulheres jovens. Segundo o Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas, a UNICEF, uma jovem entre 15 e 19 anos é infectada, no mundo, a cada 3 minutos. Se o vírus é um problema para qualquer um que o porte, para as mulheres isso se torna ainda mais complexo.
A contaminação entre meninas está relacionada a uma série de fatores da sociedade patriarcal. O início de uma vida sexual muitas vezes sem informações sobre sexo seguro e um mínimo de noção de consentimento, somada às relações com homens mais velhos, ou, ainda, o estupro, faz com que o contágio seja mais latente nesse grupo. Não é possível deixar de destacar aqui o fato de que muitas mulheres, no mundo todo, são coagidas, abusadas e estupradas, recaindo-lhes um fator de contágio que não está relacionado ao sexo – além da questão do estupro como arma de guerra, crime existente há décadas e também responsável pelos altos índices de contágio.
Ainda referente ao machismo e à violência, muitas mulheres, quando recebem o diagnóstico, não têm coragem nem de compartilhá-lo nem de procurar tratamento, fruto do medo da violência social e institucional que podem sofrer. A ideia do senso comum que se limita a ligar a doença à sexualidade livre (e aqui refere-se, obviamente, tão somente ao desejo de praticar sexo, não aos estupros), bem como o fato de que às mulheres não cabe essa liberdade, faz com que as contaminadas sejam duplamente taxadas, tanto pela doença quanto pela condição de ser sexualmente ativa, o que, em outras palavras, é sinônimo de vulgaridade, de merecimento e de punibilidade.  
Há alguns outros fatores a serem destacados, tal como a transmissão por parceiros que praticam sexo desprotegido em relações extraconjugais e a violência dos que se recusam e coagem a mulher a fazer sexo sem proteção (prática esta criminalizada pela Lei Maria da Penha, tipificada também como violência sexual).
Seja qual for a forma de contágio, há um tema central recorrente no assunto: o machismo e a falta de qualidade na promoção da saúde e direitos sexuais femininos. Assim como afirma Violeta Ross, boliviana militante pelos direitos das mulheres soro positivo: “Sabemos que é possível controlar o HIV/Aids com medicamentos, mas o remédio não controla a violência e o machismo que vivenciamos todos os dias”. A redução desse problema perpassa descontruir a ideia de que ao homem cabe o controle do sexo, de que a sujeição e posse feminina são naturais ou, ainda, a ideia de que com mulher não se fala sobre sexo.
É importante ainda ressaltar os termos das teses do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro.

168. Diante do constante conservadorismo apresentado pelo poder legislativo, precisamos prezar pela manutenção das conquistas da Lei nº12.845/2013, que permite a vítima de estupro amparo médico, psicológico e social pelo SUS (incluindo no atendimento teste de gravidez, pílula do dia seguinte, teste de  Doença Sexualmente Transmissível e exame de HIV), e combater todas as medidas que sejam retrocessos para o direito a vida da mulher e a propriedade do seu corpo.
[...]
187. Agravos à saúde reprodutiva, como infertilidade, gravidez indesejada, HIV/Aids, associados à violência contra a mulher, têm se mostrado importantes fatores de risco para transtornos mentais, uso excessivo de serviços de saúde, baixa qualidade de vida, limitado desenvolvimento pessoal e profissional e dificuldade de estabelecer relacionamentos interpessoais e afetivos.


Nós, mulheres, necessitamos do feminismo para a promoção dos mais triviais direitos, muitos deles já garantidos aos homens, inclusive os da classe trabalhadora. A luta feminista deve apontar-se aos mais diversos campos do cotidiano. Não nos esqueçamos de que quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede. Uma sociedade que garante saúde sexual feminina, garante, por consequência, saúde masculina.

Referências:
https://extra.globo.com/noticias/mundo/nobel-da-paz-pede-fim-de-impunidade-estupro-como-arma-de-guerra-23168521.html


quarta-feira, 28 de novembro de 2018




A importância de fortalecer a campanha “16 Dias de Ativismo contra a Violência contra a Mulher”

“Uma manhã, eu acordei
E ecoava: ele não, ele não, não, não.
Uma manhã, eu acordei
E lutei contra um opressor.
Somos mulheres, a resistência
De um Brasil sem fascismo e sem horror.
Vamos à luta, pra derrotar
O ódio e pregar o amor”
(Letra: Simone Soares e Flavia Simão.
Cantada em ritmo de Bella Ciao,
canção símbolo da resistência italiana ao fascismo)

Os “16 Dias de Ativismo contra a Violência contra a Mulher” é uma campanha realizada em nível internacional desde 1991, entre os dias 25 de novembro (Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres) e 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos) e que, como o nome por si só sugere, visa combater a violência sexista contra mulheres e meninas. As datas foram escolhidas com o intuito de relacionar a violência patriarcal como sendo um ataque aos Direitos Humanos. A campanha foi elaborada pelo Women's Global Leadership Institute em Rutgers, Universidade Estadual de Nova Jérsei, EUA.
No Brasil, o movimento feminista se mobiliza em torno dessa campanha desde 2003 e tem a tradição de iniciar a campanha um pouco antes, no dia 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra –, com o objetivo de denunciar também a violência racista e como as mulheres negras são ainda mais, ou especificamente, atingidas pela violência de gênero.
O Mapa da Violência de 2015 mostrou que o Brasil1 ocupa o 5º lugar na taxa de feminicídio (dentre 83 países cujos dados sobre violência de gênero foram analisados pela ONU) com 4,8 mulheres assassinadas a cada 100 mil, sendo que mulheres negras e meninas são as principais vítimas. Companheiros, familiares e conhecidos são os principais agressores. O Mapa ainda fez levantamentos sobre outras expressões da violência de gênero.
 Como se esses dados já não causassem indignação e já não fossem uma grande justificativa para um intenso combate do feminicídio e da violência de gênero, o Brasil acaba de eleger um presidente fascista que, além de já ter pronunciado inúmeras declarações misóginas e racistas, tem um histórico de, ainda como deputado federal, ter votado contra pautas de interesse das mulheres trabalhadoras, como, por exemplo, seu voto contrário à “PEC das domésticas” (Lei Complementar nº 150/2015, que regulamentou a Emenda Constitucional n° 72, cujo intuito é conceder os mesmos direitos dos trabalhadores registrados com carteira assinada e em regime CLT às empregadas domésticas) e seu voto favorável ao PL 6.055/2013 (atualmente arquivado), que revogaria a Lei 12.845/2013 – lei esta que torna obrigatório aos hospitais públicos o atendimento médico com urgência às vítimas de estupro.
Ainda, trata a questão da violência sexual com a demagogia da “castração química”, como se essa medida descabida pudesse acabar, magicamente, com a epidemia de violência sexual que sofremos. Tal ideia é descabida, pois ignora todo o cenário de violência e objetificação da mulher, o qual ele mesmo o reforça com suas infames declarações. A esse cenário, que o movimento feminista denomina de Cultura do Estupro, é o que faz com que apenas uma minoria das vítimas de estupro denuncie seus agressores2, e, mesmo ainda quando conseguem denunciar, enfrentam um calvário para sustentar a acusação3, pois são desacreditadas a todo o tempo, seja socialmente ou institucionalmente nos espaços públicos de suposto acolhimento e no judiciário.
É nesse cenário que o CFCAM vem sustentar a importância de que esses 16 dias – na verdade, 21 dias se contados a partir do dia 20 de novembro – sejam feitos não só de ativismo virtual, mas também de militância nas ruas, nas escolas, nos bairros e em todos os locais possíveis, arduamente empenhada na denúncia do machismo que as mulheres estão submetidas e no diálogo constante com as trabalhadoras, visando o aumento da consciência feminista, de classe e da necessidade de organização para barrar todos os retrocessos que o próximo governo comandará e aprofundará.
Uma vida sem violência é possível!

Fontes:

segunda-feira, 26 de novembro de 2018




A feminização do trabalho

            A classe trabalhadora não é uma massa homogênea e, para entender o mundo do trabalho na sociedade capitalista, há a necessidade de se aprofundar sobre as particularidades da exploração da força de trabalho da mulher, que é superexplorada e se apresenta de forma diferente.
 Ou, conforme Antunes (1999 apud CISNE, 2013):

As relações entre gênero e classe nos permitem constatar que, no universo do mundo produtivo e reprodutivo, vivenciamos também a efetivação de uma construção social sexuada, onde os homens e as mulheres que trabalham são, desde a infância e a escola, diferentemente qualificados e capacitados para o ingresso no mercado de trabalho. E o capitalismo tem sabido apropriar-se desigualmente dessa divisão sexual do trabalho.

            Sabemos que as mulheres, em virtude da divisão social do trabalho, aqui entendida de acordo com Karl Marx como parte constitutiva da organização do processo de trabalho, ocupam um lugar no qual sua força de trabalho serve ao capital para a produção de riqueza, mas também para a manutenção e reprodução de sua própria força de trabalho, bem como de outros trabalhadores.
            Engels (2012), em “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado”, aponta que a família monogâmica foi a primeira forma de família baseada em condições econômicas e no triunfo da propriedade privada sobre a coletiva.
A entrada das mulheres no mercado de trabalho capitalista se deu durante a Revolução Industrial já que o uso das máquinas e equipamentos possibilitaram substituir a força muscular. Assim, o capitalista começou a utilizar sua força de trabalho, como as das crianças, aumentando o contingente de trabalhadores assalariados, ou nas palavras de Marx “lançando à máquina todos os membros da família do trabalhador no mercado do trabalho, repartindo o valor da força de trabalho do homem adulto pela a família inteira” (MARX, 1971 apud NOGUEIRA, 2004).
A partir de então, e tendo em vista ainda as etapas de desenvolvimento das forças de produção capitalistas, podemos dizer que houve uma ampliação da exploração do trabalho da mulher, erigindo, aí, uma intensificação desse fenômeno a partir das características também da divisão sexual do trabalho, que leva em conta as características atribuídas socialmente às mulheres, tais como o cuidado, a paciência, a possibilidade de realização de várias atividades ao mesmo tempo e a resiliência.
Ou seja, a feminização do trabalho.
Nesse sentido, a feminização do mundo do trabalho tem determinações importantes para a produção e reprodução do capital e na esfera pública, a força-de-trabalho da mulher é superexplorada, devido aos baixos salários, desvalorização, subordinação e na esfera privada, onde é a mulher que é responsável pela manutenção da força de trabalho dos filhos, do marido e de si própria.
Claudia Mazzei Nogueira, em seu artigo “A feminiziação no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização”, situa essa etapa da exploração na crise do taylorismo/fordismo, o que levou, nos anos 80/90, o capital a se reorganizar com a desregulamentação dos direitos trabalhistas e as privatizações do Estado, causando uma precarização das condições de trabalho, que recaiu também e principalmente sobre as mulheres trabalhadoras.
Assim, apesar do aumento o número de mulheres no mercado de trabalho, esse quadro desvalorizou o trabalho feminino e o pauperizou, flexibilizando cada vez mais suas condições, sendo um exemplo disso o trabalho em tempo parcial realizado majoritariamente por mulheres. A autora cita ainda que as mulheres foram utilizadas pelo capital como instrumentos para flexibilizar as condições e as leis de trabalho, atingindo inclusive a força de trabalho masculina (NOGUEIRA, 2004).
         No mundo do trabalho, segundo pesquisa do Dieese (2013 apud Caderno de Resoluções do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, 2015), as mulheres hoje representam cerca de 50% da força de trabalho, no Brasil. Deste contingente, 40% das mulheres trabalham em situação precária. Das que trabalham em situação precária, 70% são negras e 15% são trabalhadoras domésticas.
Além disso, a mulher sofre dentro de seu local de trabalho com o machismo e as relações de poder. Estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego (apud Caderno de Resoluções do Coletivo Feminista Ana Montenegro, 2015) revelam que 73% dos assédios morais são sofridos por mulheres, na sua maioria negras. E quando se fala dos assédios sexuais, os números são mais assustadores: 99% dos casos denunciados são de mulheres assediadas por homens.
A inserção das mulheres no mundo do trabalho pode parecer uma grande conquista de emancipação, mas é necessário que se vá para além das aparências e a entenda como parte da própria contradição do Capital e a entrada de uma parcela cada vez maior de mulheres no mundo do trabalho não resolve sua emancipação.
As mulheres têm de aceitar os salários mais baixos, as mais precárias condições de trabalho e os diversos tipos de violência que pode se experienciar. Além disso, a mulher continua sendo a mantenedora da esfera privada, na família nuclear, onde realiza a reprodução social da vida, na qual o trabalho doméstico, realizado majoritariamente por mulheres trabalhadoras, não é reconhecido pelo modo de produção capitalista, isso faz com a mulher tenha uma jornada no mínimo 8 horas maior que o trabalhador médio.
Isso evidencia que o capital se opõe ao processo de emancipação da mulher: a falta de vagas em creches, a falta de restaurantes e lavanderias públicas são algumas provas desse fato, além do retrocesso e da volta da força de ideias como a que diz que mulher deve ser bela, recatada e do lar.
            O movimento para uma emancipação das mulheres surge da condição implacável de expansão desse sistema, que tem a necessidade de absorver a força de trabalho da mulher em um numero cada vez maior. Para que essa alteração se realize é necessário que nesse processo resolva algumas questões sobre a igualdade da mulher e a extinção de alguns tabus.
“A mulher é a proletária do proletário”. Assim Flora Tristan, em sua obra “União Operária”, escrita em 1843, descreve a situação da mulher trabalhadora na sociedade na qual reina o modo de produção capitalista.  Ela ainda completa afirmando que a mulher não conseguirá sua emancipação se não for pelas mãos da classe trabalhadora. Tristan, percussora da I Internacional Socialista, é uma das lutadoras que nos inspiram a afirmar que para a luta da emancipação da humanidade e da mulher trabalhadora, não é necessário apenas o combate da opressão masculina sobre a feminina, mas, também, ter como horizonte de luta a superação da relação capital/trabalho.

Bibliografia:
CISNE, Mirla. Feminismo, luta de classes e consciência militante feminista no Brasil. Tese de Doutorado. UERJ. 2013.

ENGELS, Friedrich. A Origem da família, da propriedade privada e do estado. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1 ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.

NOGUEIRA, Cláudia M.. A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização. In: ANTUNES, R.; SILVA, M. A. M. O avesso do trabalho. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

Para assistir:
Terra Fria.
Outra ode ás costureiras. https://www.youtube.com/watch?v=UpRd8UfHg7o

quarta-feira, 21 de novembro de 2018





As “mães” da ciência
  
            Estamos acostumadas a ler biografias de cientistas, pesquisadores e inventores que, por serem pioneiros em seus estudos e feitos científicos, foram historicamente denominados como “pais da ciência” ou de suas descobertas. Biografias estas, em maioria, esquecidas ao não citar as mulheres que, desde o início da humanidade, geram e/ou são a força braçal e intelectual que nos permitiu traçar esse longo caminho até aqui.
            O registro mais antigo de uma mulher na ciência é de 2700 a.c. e pertence a Merit Ptah, médica chefe no antigo Egito. Apesar de, desde sempre passarem por opressões e repressões de gênero que muitas vezes as impediam de estar em determinados lugares e posições, na Grécia antiga, estudos como o de filosofia natural também eram abertos às mulheres – que acabavam por tomar frente em pesquisas e, com isso, tiveram grande contribuição para as produções científicas da época, em áreas como a medicina, astronomia, matemática, filosofia e física. Ademais, foram duas mulheres as primeiras a fazerem uso de equipamentos e processos químicos. Isto refere-se ao fato de que o acesso à produção científica foi historicamente negado às mulheres. Os registros históricos de mulheres da antiguidade que dedicaram suas vidas ao estudo e pesquisa são raros e se restringem às tais áreas: de medicina, botânica e alquimia.
            Não se pode deixar de pontuar – ou, então, não dar a devida atenção – ao fato de que tais possibilidades só eram cabíveis às mulheres que, de algum modo, detinham posses e riquezas e, para a ascensão destes homens e mulheres, muitos outros foram escravizados e explorados – prática ainda mais comum com o princípio da Idade Média; com o rápido avanço do cristianismo; passando pela temida Idade das Trevas (período de escasso ou erradicada produção de registros históricos, cultural, econômico e científico); com a queda do Império Romano; e, com as abadessas (alto cargo religioso cristão) que tinham acesso às cópias de manuscritos de estudiosos do passado e que passaram a ler e continuar a produção cientifica em diversas áreas de conhecimento. Porém, o crescimento das freiras, em número e poder, não foi nenhum pouco agradável para o Clero, à época extremamente patriarcal e misógino, que reagiu com ordenações religiosas imperativas, fechando suas portas paras as mulheres e excluindo-as da oportunidade de aprender a ler e a escrever.
            Em tempo adiante, cumpre registrar o surgimento das universidades, que foram edificadas, como de praxe, majoritariamente para os homens, onde poucas as instituições que abriram suas portas para algumas mulheres assistirem determinadas palestras, em sua maioria, na área da medicina, visto desde então a influência dada às mulheres para ocuparem cargos relacionados ao cuidado – encargo destinado pela construção da ideia de maternidade compulsória.
            Na modernidade não tem sido diferente. Ainda relegada ao lar e aos afazeres domésticos, a mulher foi impedida de participar da explosão do conhecimento científico e desenvolvimento das tecnologias que marcam a sociedade moderna. E esse quadro só começou a mudar muito recentemente.
            A entrada da mulher no mercado de trabalho marca, pela necessidade de formação profissional, sua gradual entrada na universidade. Hoje sete países (Reino Unido, Canadá, Austrália, França, Dinamarca e Brasil) já atingiram marca de pelo menos 40% do total de publicações sendo feitas por mulheres, número considerado patamar de igualdade.
            Apesar desses números aparentemente animadores, considerar apenas a quantidade de publicações é insuficiente para compreender a realidade. Um estudo publicado no periódico Harvard Business Review mostrou que 52% das pesquisadoras estadunidenses desistem da carreira, a maioria por volta de seus 30 anos. O alto nível de desistência está relacionado com o fato de, além do trabalho científico demandar longas jornadas de pesquisas e viagens fora do expediente como conferências e trabalho de campo, a mulher ainda precisa conciliar tudo isso com o trabalho doméstico e maternal.
            Outro problema ainda muito presente é a baixa inserção das mulheres nos cursos de ciências naturais, como matemática, física e ciência da computação, o que pode ser explicado pela falta de estímulos que recebemos desde muito cedo em nossos lares. Enquanto meninos são estimulados a construir, pilotar e concertar, os brinquedos de meninas se ainda restringem ao ambiente doméstico.
            Se hoje uma parcela das mulheres tem acesso à universidade, seu acesso é ainda pouco estimulado e sua permanência e possibilidade de seguir carreira científica são ainda muito frágeis dada a dupla jornada que ainda recai exclusivamente sobre a mulher e falta de direitos como acesso a creches e direito a amamentação em ambientes de trabalho.
            Nota-se, assim, que desde o princípio, passando pela revolução científica no século XVI, temos uma imensidão de histórias de mulheres que foram negligenciadas, excluídas e apagadas de incríveis feitos e locais voltados ao conhecimento. Em contrapartida, o ideal aceito passou a ser de que seríamos mentalmente inferiores aos homens e que nosso papel deveria ser exclusivo aos cuidados da família, exercendo manutenção da rotina e do sistema já capitalista e patriarcal. Apesar deste cenário, mulheres como nós continuaram lutando por seus direitos e pela possibilidade de provarem sua capacidade intelectual, apagadas atrás de seus maridos – que muitas vezes se apropriavam de seus estudos –, interrompidas em suas produções e invisibilizadas, como, por exemplo, no caso de Hedy Lamarr: inventora e atriz, pioneira na invenção de sistemas de comunicação e sinais – que mais a frente originou o hoje então conhecido “sinal Wifi” – que, apesar de todo o feito, é apenas lembrada por ter sido a primeira mulher a aparecer nua no cinema.
            Dentre inúmeros exemplos e citações mais: Maria Gaetana Agnesi, matemática espanhola, autora do primeiro livro de álgebra escrito por uma mulher. Marie Curie, mãe da física moderna, pioneira em estudos com radioatividade. Rosa de Luxemburgo, com sua incrivel contribuição marxista e dialética. Nise da Silveira, psiquiatra pioneira na luta antimanicomial no Brasil.
            Enfim, mulheres incríveis que, apesar de todas as dificuldades aqui postas, as posições de classe foram propícias para que ascendessem. Este adendo nos serve para que enxerguemos que a luta vai além. Devemos, portanto, lutar para que reste assegurada uma educação laica, pública, gratuita e inclusiva, para que também nossas meninas do seio proletário e as mulheres trabalhadoras consigam alcançar verdadeiros papeis dentro da ciência, dos locais acadêmicos e dos livros históricos.
            Camaradas e companheiras: coragem e ação! Para compreender nosso papel enquanto acadêmicas e produtoras do conhecimento, devemos nos apropriar das leituras que nos contemplam enquanto gênero e classe, como Angela Davis: negra, feminista e marxista, que com sua obra "Mulheres, raça e classe" nos permite entender os acontecimentos e o difícil caminho trilhado por nós e as causas de nossa posição totalmente desigual na sociedade, inclusive no mundo da ciência e do conhecimento, mas que, acima de tudo, também nos enche de coragem para a transformação. Sejamos juntas, com nossa voz ativa e embasada, a nossa própria revolução!

sexta-feira, 16 de novembro de 2018



Mulheres e ditadura: Luta e resistência

No último período, no cenário eleitoral, presenciamos uma enorme cisão na sociedade: de um lado estaria a dita “família de bem” e do outro, mulheres, negros, LGBTQIA+ e a esquerda. Esse debate ressuscitou a lembrança e o medo de um dos piores períodos da história brasileira: a Ditadura Civil Militar. Para muitos que não conhecem a História, a ditadura parece uma chamada à ordem por meio da força, mas o que muitos não questionam é sobre a ordem de quem e para qual objetivo.
Os regimes autoritários surgem como instrumentos de reorganização do Capital em diversas partes do mundo, já que no mesmo período ascende, também, em escala mundial, uma possibilidade de organização da classe trabalhadora e o enfrentamento ao modo de produção vigente. Este momento da história é marcado por intensa repressão e violência contra qualquer pessoa que ousasse questionar o modelo ditatorial. Destacaremos aqui a violência sofrida pelas mulheres, que apresentou requintes de crueldade pouco divulgados e estudados até hoje.
A efervescência da luta por direitos das mulheres nos anos 60 encontra, na particularidade brasileira, a luta pela queda do regime militar. As mulheres estavam organizadas em associações de bairros, movimentos sociais, em guerrilhas armadas, em partidos políticos e diversos movimentos sociais, participando ativamente da resistência e oposição ao regime, ainda que tenham tido sua história de luta silenciada. A violência contra as presas políticas do período foi intensificada pela misoginia do regime e se expressava em práticas de tortura monstruosas.
As presas eram, em sua maioria, estupradas e constantemente violentadas sexualmente. As mães eram torturadas na frente dos filhos e as grávidas espancadas até o abortamento. Se tinham bebês, eram proibidas de amamentar. A brutalidade da tortura incluiu, até mesmo, o uso de animais vivos, dentre eles, jacarés e ratos como instrumentos de tortura. A violência contra as mulheres foi marca desse período, mas isso não impediu a organização política das mesmas, que além do regime militar, enfrentavam também uma disputa dentro da própria esquerda para consolidação do feminismo no Brasil, pois o movimento pelos direitos das mulheres foi considerado, por muito tempo, como secundário em relação à luta de classes.
Ao longo dos anos e devido o trabalho de muitas militantes, os movimentos feministas conquistaram o papel central na luta pela vida das mulheres, pela construção de uma nova sociedade livre do machismo e do patriarcado e ocuparam outros espaços de destaque, como a imprensa e sindicatos, sendo fundamentais na luta pela reabertura política.
Hoje, no Brasil, vimos o reflexo de uma crise estrutural do capital onde, a partir de 2016, cresceu uma alternativa radicalizada da extrema direita que alinha o conservadorismo com o ultraliberalismo econômico. Então, nós, mulheres trabalhadoras, principalmente, feministas e lutadoras sociais fomos novamente alvos desse setor. Como representação disso temos a morte de Marielle Franco, mulher, periférica, negra, lésbica, para além de todas as opressões estruturais que a mesma sofria, Marielle foi morta por aquilo que ela representava. Muito mais do que uma representatividade na institucionalidade burguesa, ela representava um modo de fazer política que se aproximava da classe trabalhadora, daqueles que são diariamente e historicamente massacrados pelo Estado brasileiro.
Em 2018, com a candidatura de Bolsonaro como a representação dessa direita, nós mulheres tomamos a frente na luta contra a sua eleição. Principalmente nos atos “Ele Não”, especialmente no dia 29 de setembro, onde milhões de pessoas se reuniram em mais de 100 cidades brasileiras. Atos que foram chamados por diversas organizações feministas em unidade contra o inimigo comum. Nós, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro estivemos presentes na organização deste e de outros atos contra Bolsonaro.
Com o resultado da eleição, a luta não pode parar. Para isso é imprescindível a organização das mulheres de nossa classe, para conseguirmos barrar os retrocessos e lutar pelas liberdades democráticas.

“Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!

Links importantes:

-         Aula pública: Gênero e Ditadura Militar com Amelinha Teles

-         Documentário: Marcas Femininas Contra a Ditadura Militar

-         Relatório da Comissão Nacional da Verdade
(Capítulo 10 - Violência sexual, violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes)

-         Rosalina Santa Cruz | “Golpe de hoje atinge pobres e negros”


quarta-feira, 31 de outubro de 2018




Mulher negra e a exploração no mercado de trabalho.

            O Brasil, de acordo com a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Humano - OECD, ficou em 1° lugar no ranking de países com os maiores índices de desigualdade salarial. Tal desigualdade torna-se ainda mais evidente quando da realidade das mulheres negras, que chegam a ganhar de 60% a 80% menos que um homem branco.
            Já se sabe que as negras sempre foram exploradas e sempre exerceram postos de trabalho precarizados, desvalorizados, subjugados e estigmatizados. Atualmente ainda são as mais atingidas pela desigualdade de raça e gênero no mercado de trabalho. Diz-se, com isso, que as escravizadas de ontem são as periféricas e ocupantes dos cargos de trabalhos mais explorados de hoje.
            Além disso, o nível de desemprego é maior entre as mulheres negras, chegando a 12%, enquanto para homens brancos o índice é de 5,3%. Porém, quando da situação de emprego, normalmente passam a exercem os piores cargos, ainda que qualificadas. Nesse sentido, de acordo com a SEAC-RJ, 90% dos trabalhadores de limpeza são mulheres e 62% são negros.
          Ainda quanto ao ambiente do trabalho, é válido pontuar a questão do , moral e sexual no trabalho, caracterizado pela exposição das trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas. Embora os homens também possam ser vítimas do assédio, estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE revelam que 73% do assédio moral é sofrido por mulheres, na sua maioria negras – muitas vezes vítimas do assédio sexual pela forma como o capital objetifica e hipersexualiza seu corpo.
            Como defende Angela Davis, “ser mulher negra no Brasil já é em si resistência. E já traz, por si, mesmo que não de maneira organizada, um sentimento capitalista”. Deste modo e diante os índices apresentados, cumpre concluir que as mulheres negras são as que mais sofrem com as desigualdades por questão raça e de gênero, estando em pior situação em relação à renda, segurança, trabalho, educação, entre outros direitos fundamentais e sociais mais. Isto porque, para sustentar esse sistema, foi preciso um alicerce ideológico que legitimasse a inferiorização de um povo, que se configura em amarras vestidas com uma nova roupagem no sistema capitalista. O racismo está enraizado na formação do país em todas as suas esferas e, às mulheres, a essas mulheres restou somente a hipersexualização ou a desvalorização do seu papel.
            A fim de mudar o referido cenário, enfatiza-se  luta para reduzir os danos sociais que afetam toda sociedade, fundamentada na conscientização e na mudança de comportamento das massas oprimidas. O conhecimento de tais prejuízos trazidos por um sistema ultrapassado por seus próprios meios exploratórios, não pode continuar a vitimar a população periférica. Temos a certeza de nosso dever histórico em romper com tal realidade, construindo uma nova sociedade mais emancipada e igualitária. Para isso, devemos nos organizar e direcionar nossa luta na percepção da origem de tais tais confrontos dentro da civilização, onde deve-se ressaltar a importância de se caracterizar e identificar como excluído, como prejudicada e como população que precisa ser ouvida e também atendida. A percepção do problema é de máxima urgência, afinal, não se pode mais aceitar, se conformar ou tolerar tamanha desigualdade social.
          Para isso, denunciamos toda e qualquer violência e omissão estatal e corporativa que perpetre violências de raça, gênero, classe e sexualidade; combatendo estereótipos, negligências, submissões, subjugações e explorações, isto porque reconhecemos que os sistemas de exploração e opressão – machismo e racismo – fazem as trabalhadoras negras e indígenas, serem ainda mais espoliadas e violentadas, com tendência a um aumento paulatino do acirramento da barbárie contra esses grupos dentro do capitalismo, especialmente dentro dos espaços de disputa do trabalho.
          Nesta oportunidade saudamos as seguintes mulheres negras que, por seus ofícios e sua militância, marcaram a história para além do mundo do trabalho, alcançando avanços de emancipação humana: Carolina Maria de Jesus, escritora e poetisa; Benedita da Silva, assistente social; Lélia Gonzalez, professora; Luiza Mahin, quituteira; Maria Clara Araujo, pedagoga; e, Marielle Franco, socióloga e vereadora, PRESENTE!

sexta-feira, 26 de outubro de 2018




Dia Internacional contra a Exploração da Mulher – Lutamos e Resistimos!

Dia 25 de outubro: Dia Internacional contra Exploração da Mulher. A exploração e opressão conformadas sob as estruturas patriarcais reproduzem historicamente formas de dominação que ceifam a vida de mulheres, que alijam suas condições de trabalho e que as aprisionam ao espaço doméstico. Lembremos que o movimento feminista ao longo de sua história foi responsável por conquistas fundamentais, contudo, vemos que ainda hoje as desigualdades de gênero são perpetuadas em nossa sociedade por meio de diversas instâncias.  
Dados sobre a realidade brasileira expressam os diferentes condicionantes através do qual as mulheres estão submetidas cotidianamente. O Brasil ocupa a 5° posição em taxa de homicídio de mulheres entre um grupo de 83 países (Mapa da Violência 2015); em geral, as mulheres recebem 79% comparado à remuneração média dos homens; as mulheres negras, por sua vez, recebem 39% em relação aos rendimentos dos homens brancos (Cienc. Cult. vol.58 n.4, São Paulo Oct./Dec. 2006); e, as mulheres são responsáveis por 73% mais de horas dedicadas as tarefas domésticas do que os homens. (https://oglobo.globo.com/sociedade/mulheres-dedicam-73-mais-tempo-do-que-homens-afazeres-domesticos-22462181).   
Estes dados tornam-se ainda mais agravantes quando nos deparamos à atual conjuntura brasileira.  Declarações homofóbicas, racistas e machistas ganharam lugar comum no Brasil e isto não é produto do acaso. Nos últimos anos enfrentamos ações institucionais e movimentos que atacavam e atacam diretamente pautas feministas com o claro objetivo de deslegitimar a luta das mulheres e de retirar direitos conquistados ao longo de séculos de mobilizações e enfretamentos. Desde projetos como o do Estatuto Nascituro e o Estatuto da Família, até a Marcha com Deus pela Liberdade, o Movimento pela Vida e as hostilizações acerca da suposta “Ideologia de Gênero”, anunciavam os retrocessos que hoje se materializam na figura de Jair Bolsonaro. O conservadorismo apregoado por setores religiosos e em nome da “família, moral e bons costumes” ganha aspectos fascistas ameaçando qualquer garantia de liberdade democrática. O discurso de ódio e a “guerra cultural” emprenhada contra os grupos mais oprimidos e difundidos por tal candidatura demonstram que o combate a dominação patriarcal não se dará sem a reação daqueles que tem seu lugar de poder posto em xeque, e que estes já começaram a lançar de mecanismos de violência para garantir seus privilégios. 
Em períodos de crise econômica e política, além de avanço do conservadorismo, também são iminentes políticas de austeridade que atingem com mais força as mulheres trabalhadoras. O capital que extrai valor, educa e desagrega a organização da classe trabalhadora, sempre utilizou dos grupos minoritários e das mulheres como subcategorias para justificar a exploração ainda mais degradante dessa população. Assim, a Reforma Trabalhista aprovada cairá principalmente nos ombros das mulheres, que já recebem os menores salários, ocupam postos de trabalhos considerados inferiores, sofrem assédio moral diariamente em seus trabalhos, além de enfrentar uma tripla jornada uma vez que é responsabilizada pelo serviço doméstico e de cuidado à família. Cortes de gastos públicos, que incluem serviços de socialização dos cuidados como creches e hospitais, aumentará a carga do trabalho doméstico das mulheres.
Nesse contexto, as mulheres, já acometidas pela estrutura patriarcal e machista, serão cada vez mais jogadas à margem da sociedade. Neste dia, portanto, não apenas rememoramos esta data, mas reafirmamos que a luta pelo fim da opressão e exploração da mulher continua mais necessária do que nunca nos dias atuais. Apontamos, deste modo, para um horizonte que deve ser almejado por nós feministas classistas: a organização das lutas das mulheres trabalhadoras e o fortalecimento de um feminismo que abarque a luta e a vida das mulheres trabalhadoras, que se proponha a revolucionar a vida de toda nossa classe, como nós designamos, um feminismo classista.