Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes
Em 18 de maio de 1973 uma menina de
8 anos da cidade de Vitória (ES) foi sequestrada, violentada e assassinada. Seu
corpo foi encontrado carbonizado seis dias depois e os agressores nunca foram punidos.
Com a mobilização e repercussão do caso, o 18 de maio passou a ser o Dia
Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes. Apesar
de ser uma luta diária, o referido mês é uma oportunidade de enfatizar as
raízes do problema para, assim, tentar combater parte de uma estrutura social e
cultural.
Desde 2003, quando o Governo Federal
implantou o serviço de denúncias – o Disque
100 – são registrados vários casos de violência sexual por ano. Naquele ano
foram 4.494 denúncias, já no ano de 2014 os números foram de um aumento
alarmante, em 24.575 registros. Desses casos, 19.165 foram de abuso e 5.410 de
exploração sexual infantil. É válido constar que a maior parte dos crimes,
ou seja, 61%, são contra meninas e, deste número, 81% correspondem à denúncias
de violência sexual.
É importante ressaltar que a
violência sexual é atribuída a uma série de fatores sociais, culturais e
econômicos. Existe uma linha de diferença entre o abuso sexual e a exploração
sexual, ambas confundidas e consideravelmente distintas.
O abuso sexual não é caracterizado
somente pelo contato físico, como quando ocorre o estupro, "carícias"
nos órgãos sexuais e tentativas de relações sexuais também o configuram. Igualmente
fazem parte do conceito de abuso sexual: o assédio (propostas de relações
sexuais por ameaça/chantagem); o abuso sexual verbal (conversas sobre
atividades sexuais a fim de despertar o interesse da criança para esse fim ou
chocá-la); o voyeurismo (observar atos ou órgãos sexuais de outras pessoas
quando essas não querem ser vistas); exibicionismo (se masturbar ou mostrar
órgãos genitais em frente à crianças); e, por fim, a pornografia.
Contudo, a exploração sexual é
praticamente caracterizada por uma relação sexual entre um adulto com uma
criança/adolescente mediada por pagamento de qualquer tipo. Assim como o abuso
sexual, existem inúmeras formas de exploração, quais sejam: o tráfico para fins
sexuais; a exploração sexual agenciada (quando há intermediação de uma ou mais
pessoas ou serviços. Ex: cafetão, bordéis, etc.); a exploração sexual
não-agenciada (prática de atos sexuais realizada por adolescentes/crianças
mediante pagamento, droga ou serviço.); e, a pornografia (aqui, conforme dispõe
o artigo 240, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, quando há
produção, comercialização, exibição e utilização de material com cenas de sexo
explícito envolvendo crianças e adolescentes ou imagem, com conotação sexual,
das partes genitais de uma criança).
Como dito acima, a maioria dos casos
de abuso sexual contra crianças acontece com meninas, parte disso devido a uma
cultura patriarcal que tem como padrões de beleza corpos infantilizados. Há uma
espécie de "somatória" entre ser mulher e ser menina, onde a primeira,
já inferiorizada, passa a ser ainda mais diminuída se criança, o que constitui
um agravante para tal, dada a facilidade maior para agressores a tornarem
alvos.
Essa cultura patriarcal tem como
característica a romantização da pedofilia que acontece visando o lucro
principalmente na indústria pornográfica, onde o abuso e o consentimento de
menores para fins sexuais são banalizados. Para além, as atrizes, mesmo quando
adultas, para reforçar o estereótipo acriançado, são submetidas a vestimentas
infantis e uniformes escolares. Atualmente um pedófilo chega a pagar de 3 a 4
mil euros para ter acesso a sites dessa natureza e, em 1996, quando a internet
não tinha o alcance que tem nos dias de hoje, os lucros alcançaram a cifra de 2
milhões de dólares. Já em 2005, o lucro obtido pela pornografia infantil totalizou
20 milhões de dólares. Sendo assim, cresce cada vez mais a busca comercial pelo
mercado pornográfico, que rende e enriquece pessoas às custas de abusos
influenciados por desejos fomentados e não problematizados pela sociedade.
O prognóstico para o fim dos abusos
na infância pode não ser positivo nos tempos sombrios pelos quais passamos.
Existe um movimento fortemente organizado, liderado pelas alas conservadoras,
que hoje possuem hegemonia política no legislativo e no executivo, que luta
contra políticas de educação sexual. Essa batalha, principalmente para retirada
do debate nas escolas e nos espaços públicos como um todo, se pauta em um
discurso moralista e conservador que entende educação sexual como uma forma de
sexualização da infância, quando, na realidade, é justamente o oposto.
A educação sexual nas escolas é a
única garantia de que todas as crianças terão conhecimento do seu corpo, do que
é saudável e do que é abuso. O movimento conservador quer que essa tarefa seja
exclusiva da família, sendo que é nesta seara onde mais ocorrem os relatos e
denúncias de abusos. Ademais, são em sua maioria as famílias que nunca sequer
falam sobre sexualidade com seus filhos por conta de um moralismo religioso que
as ronda. Deste modo, diante essa desinformação omissiva e negligente, todas
essas crianças ficarão desamparadas caso essa abominável censura seja posta em
vigor. O carro chefe do movimento contra a educação sexual era o Escola Sem
Partido que, felizmente, não avançou nesse ano de 2018. Mas ante a hegemonia
política dos conservadores e ante discursos esdrúxulos de figuras importantes e
do próprio presidente eleito sobre a educação sexual – sempre fundados em distorções e mentiras, como no famigerado caso do
inexistente kit gay – devemos estar preparadas para lutar por essa questão
fundamental nos anos que estão por vir.
Portanto, o Dia Nacional de Combate
ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes se faz importante por dar
visibilidade ao tema, mas não é suficiente para o combate, visto que se trata
de um problema enraizado e menosprezado por nossa sociedade. Deste modo, nós do
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro entendemos que estes crimes
requerem outras formas de combate que visam a questão social e não individual
do impasse, desde a educação sexual para crianças até a supressão dessa cultura
patriarcal e capitalista que corrobora para que muitos casos de abuso e
exploração aconteçam.