quinta-feira, 20 de dezembro de 2018




Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes

            Em 18 de maio de 1973 uma menina de 8 anos da cidade de Vitória (ES) foi sequestrada, violentada e assassinada. Seu corpo foi encontrado carbonizado seis dias depois e os agressores nunca foram punidos. Com a mobilização e repercussão do caso, o 18 de maio passou a ser o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes. Apesar de ser uma luta diária, o referido mês é uma oportunidade de enfatizar as raízes do problema para, assim, tentar combater parte de uma estrutura social e cultural.
            Desde 2003, quando o Governo Federal implantou o serviço de denúncias – o Disque 100 – são registrados vários casos de violência sexual por ano. Naquele ano foram 4.494 denúncias, já no ano de 2014 os números foram de um aumento alarmante, em 24.575 registros. Desses casos, 19.165 foram de abuso e 5.410 de exploração sexual infantil. É válido constar que a maior parte dos crimes, ou seja, 61%, são contra meninas e, deste número, 81% correspondem à denúncias de violência sexual.
            É importante ressaltar que a violência sexual é atribuída a uma série de fatores sociais, culturais e econômicos. Existe uma linha de diferença entre o abuso sexual e a exploração sexual, ambas confundidas e consideravelmente distintas.
            O abuso sexual não é caracterizado somente pelo contato físico, como quando ocorre o estupro, "carícias" nos órgãos sexuais e tentativas de relações sexuais também o configuram. Igualmente fazem parte do conceito de abuso sexual: o assédio (propostas de relações sexuais por ameaça/chantagem); o abuso sexual verbal (conversas sobre atividades sexuais a fim de despertar o interesse da criança para esse fim ou chocá-la); o voyeurismo (observar atos ou órgãos sexuais de outras pessoas quando essas não querem ser vistas); exibicionismo (se masturbar ou mostrar órgãos genitais em frente à crianças); e, por fim, a pornografia.
            Contudo, a exploração sexual é praticamente caracterizada por uma relação sexual entre um adulto com uma criança/adolescente mediada por pagamento de qualquer tipo. Assim como o abuso sexual, existem inúmeras formas de exploração, quais sejam: o tráfico para fins sexuais; a exploração sexual agenciada (quando há intermediação de uma ou mais pessoas ou serviços. Ex: cafetão, bordéis, etc.); a exploração sexual não-agenciada (prática de atos sexuais realizada por adolescentes/crianças mediante pagamento, droga ou serviço.); e, a pornografia (aqui, conforme dispõe o artigo 240, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, quando há produção, comercialização, exibição e utilização de material com cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes ou imagem, com conotação sexual, das partes genitais de uma criança).
            Como dito acima, a maioria dos casos de abuso sexual contra crianças acontece com meninas, parte disso devido a uma cultura patriarcal que tem como padrões de beleza corpos infantilizados. Há uma espécie de "somatória" entre ser mulher e ser menina, onde a primeira, já inferiorizada, passa a ser ainda mais diminuída se criança, o que constitui um agravante para tal, dada a facilidade maior para agressores a tornarem alvos.
            Essa cultura patriarcal tem como característica a romantização da pedofilia que acontece visando o lucro principalmente na indústria pornográfica, onde o abuso e o consentimento de menores para fins sexuais são banalizados. Para além, as atrizes, mesmo quando adultas, para reforçar o estereótipo acriançado, são submetidas a vestimentas infantis e uniformes escolares. Atualmente um pedófilo chega a pagar de 3 a 4 mil euros para ter acesso a sites dessa natureza e, em 1996, quando a internet não tinha o alcance que tem nos dias de hoje, os lucros alcançaram a cifra de 2 milhões de dólares. Já em 2005, o lucro obtido pela pornografia infantil totalizou 20 milhões de dólares. Sendo assim, cresce cada vez mais a busca comercial pelo mercado pornográfico, que rende e enriquece pessoas às custas de abusos influenciados por desejos fomentados e não problematizados pela sociedade.
            O prognóstico para o fim dos abusos na infância pode não ser positivo nos tempos sombrios pelos quais passamos. Existe um movimento fortemente organizado, liderado pelas alas conservadoras, que hoje possuem hegemonia política no legislativo e no executivo, que luta contra políticas de educação sexual. Essa batalha, principalmente para retirada do debate nas escolas e nos espaços públicos como um todo, se pauta em um discurso moralista e conservador que entende educação sexual como uma forma de sexualização da infância, quando, na realidade, é justamente o oposto.
            A educação sexual nas escolas é a única garantia de que todas as crianças terão conhecimento do seu corpo, do que é saudável e do que é abuso. O movimento conservador quer que essa tarefa seja exclusiva da família, sendo que é nesta seara onde mais ocorrem os relatos e denúncias de abusos. Ademais, são em sua maioria as famílias que nunca sequer falam sobre sexualidade com seus filhos por conta de um moralismo religioso que as ronda. Deste modo, diante essa desinformação omissiva e negligente, todas essas crianças ficarão desamparadas caso essa abominável censura seja posta em vigor. O carro chefe do movimento contra a educação sexual era o Escola Sem Partido que, felizmente, não avançou nesse ano de 2018. Mas ante a hegemonia política dos conservadores e ante discursos esdrúxulos de figuras importantes e do próprio presidente eleito sobre a educação sexual – sempre fundados em distorções e mentiras, como no famigerado caso do inexistente kit gay – devemos estar preparadas para lutar por essa questão fundamental nos anos que estão por vir.
            Portanto, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes se faz importante por dar visibilidade ao tema, mas não é suficiente para o combate, visto que se trata de um problema enraizado e menosprezado por nossa sociedade. Deste modo, nós do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro entendemos que estes crimes requerem outras formas de combate que visam a questão social e não individual do impasse, desde a educação sexual para crianças até a supressão dessa cultura patriarcal e capitalista que corrobora para que muitos casos de abuso e exploração aconteçam.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018




Mulheres e Trabalho: Assédio Moral e Sexual

            A inserção das mulheres no mercado de trabalho formal é um marco histórico do avanço do movimento feminista ao longo do século XX. O reconhecimento do trabalho feminino fora do espaço doméstico é uma grande e inegável conquista de direitos sociais e de autonomia às mulheres. Mas esse processo não se deu sem contradições. A estrutura patriarcal conformada sob as bases do capitalismo encontra diversos mecanismos para conservar os grupos oprimidos em sua posição social marginalizada.    Quando falamos de mercado de trabalho, sabemos que as mulheres ocupam, em geral, os empregos mais precarizados, com menor remuneração e estão em cargos inferiores aos homens. Tal processo é funcional e fundamental à manutenção da ordem capitalista, a medida em que rebaixa-se o custo com a força de trabalho seja por menores salários e/ou pela não garantia de direitos trabalhistas. Trata-se, assim, da lógica da sociedade capitalista-patriarcal em se apropriar das diferenças entre sexo para reproduzir desigualdade social, elevando a taxa de exploração do capital através da inferiorização do trabalho feminino.
A cultura machista e a misoginia não se manifestam apenas na diferença salarial ou nos cargos ocupados. A relação de poder e desigualdade entre homens e mulheres é permeada por outras formas de violências no ambiente de trabalho, sobretudo, nas práticas de assédio moral e sexual em que as mulheres são submetidas cotidianamente. Tais práticas consistem na exposição à situações de constrangimento e humilhação; em piadas e comentários e inferiorização da função ocupada, como, “lugar de mulher é na cozinha”; em cantadas e insinuações para obter algum tipo de favorecimento sexual; entre outros exemplos mais que podem ser abstraídos de relatos do cotidiano.  Embora os homens também possam sofrer com assédio no trabalho, dados do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE apontam que as principais afetadas são as mulheres. Nota-se: a) 73% do assédio moral é sofrido por mulheres, onde as mulheres negras representam o maior percentual; e, b) no caso do assédio sexual, os números são ainda mais alarmantes, pois as mulheres correspondem a 99% das vítimas assediadas.
Esse contexto reafirma mais um dos elementos através do qual a estrutura patriarcal opera: a objetificação dos corpos femininos. A hipersexualização das mulheres as submete incondicionalmente aos desejos sexuais masculinos ao passo que, autoriza os homens a constrangê-las e assediá-las em qualquer espaço, inclusive nos locais de trabalho. Nesse caso, a violência pode ser uma forma de coação e chantagem com ameaças de demissão ou com promessas de ascensão profissional colocando em risco não apenas o emprego, mas afetando também a saúde mental e emocional dessas mulheres. Apesar do Código Penal brasileiro qualificar o assédio sexual como crime, a cultura machista que frequentemente culpabiliza as vítimas, desencoraja a busca por meios jurídicos de denúncia a estas práticas. O medo por retaliações ou mesmo os entraves para comprovar o assédio sexual, dificulta a proteção legal das mulheres e a punição dos agressores, haja vista que estas situações ocorrem muitas vezes por meio de insinuações, de forma velada ou, ainda, em alguns episódios, são até toleradas, sendo entendidos como “brincadeiras” pelos que rodeiam o assediador.
Embora ainda estejamos longe de superar este cenário de violência, destacamos os crescentes movimentos de denúncias e campanhas encampadas por coletivos e difundidas nas redes sociais como instrumentos de enfretamento aos diversos assédios sofridos pelas mulheres. A luta das mulheres tem explicitado que as diferentes violências machistas e misóginas não serão mais toleradas, pois cada vez mais o movimento feminista tem avançado contra a sociedade patriarcal e as diversas formas de opressões de gênero.
Nós, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, acreditamos no necessário fortalecimento da atuação e organização das mulheres em todos os espaços para combater a cultura machista, bem como entendemos que esta luta deve estar articulada ao enfrentamento ao sistema capitalista para destruir a estrutura patriarcal que estamos submetidas. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018




Dia Mundial de Combate à AIDS

A AIDS, doença causada pelo vírus HIV, foi reconhecida no ano de 1981. Seu surgimento está relacionado com um vírus presente em macacos que sofreu mutação infectando, por consequência, seres humanos. Há teorias de que a primeira transmissão teria sido década de 1930, porém é na década de 80 que a doença se torna conhecida mundialmente.
Quando surgiu, a doença foi associada aos homossexuais, sendo esse o público mais infectado nos primeiros anos em que se dissipou – porém, atualmente, este cenário não é mais uma realidade. Com o passar do tempo, o HIV se disseminou em homens e mulheres das mais variadas idades e hoje consiste em uma realidade complexa e diferente.
Os primeiros pacientes infectados recebiam o diagnóstico da doença como uma sentença de morte. Pouco conhecida e sem tratamento eficiente, os que contraíram HIV nas décadas de 80 e começo de 90 contavam seu tempo restante de vida. Hoje o tratamento é bastante eficiente, ainda não proporcionando sua cura, porém garantindo uma sobrevida com mais tempo e qualidade. Ainda que tal avanço constitua um ganho, ao mesmo tempo ele também é responsável pela atual volta da onda de contágios.
Os pacientes em tratamento, hoje, levam uma vida regular, ainda que com os efeitos colaterais dos remédios, o que faz com que não pareça tão difícil conviver com a doença e diminui a preocupação entre os jovens. Estudos recentes mostram que o contágio entre essa população cresceu nos últimos anos e principalmente entre mulheres jovens. Segundo o Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas, a UNICEF, uma jovem entre 15 e 19 anos é infectada, no mundo, a cada 3 minutos. Se o vírus é um problema para qualquer um que o porte, para as mulheres isso se torna ainda mais complexo.
A contaminação entre meninas está relacionada a uma série de fatores da sociedade patriarcal. O início de uma vida sexual muitas vezes sem informações sobre sexo seguro e um mínimo de noção de consentimento, somada às relações com homens mais velhos, ou, ainda, o estupro, faz com que o contágio seja mais latente nesse grupo. Não é possível deixar de destacar aqui o fato de que muitas mulheres, no mundo todo, são coagidas, abusadas e estupradas, recaindo-lhes um fator de contágio que não está relacionado ao sexo – além da questão do estupro como arma de guerra, crime existente há décadas e também responsável pelos altos índices de contágio.
Ainda referente ao machismo e à violência, muitas mulheres, quando recebem o diagnóstico, não têm coragem nem de compartilhá-lo nem de procurar tratamento, fruto do medo da violência social e institucional que podem sofrer. A ideia do senso comum que se limita a ligar a doença à sexualidade livre (e aqui refere-se, obviamente, tão somente ao desejo de praticar sexo, não aos estupros), bem como o fato de que às mulheres não cabe essa liberdade, faz com que as contaminadas sejam duplamente taxadas, tanto pela doença quanto pela condição de ser sexualmente ativa, o que, em outras palavras, é sinônimo de vulgaridade, de merecimento e de punibilidade.  
Há alguns outros fatores a serem destacados, tal como a transmissão por parceiros que praticam sexo desprotegido em relações extraconjugais e a violência dos que se recusam e coagem a mulher a fazer sexo sem proteção (prática esta criminalizada pela Lei Maria da Penha, tipificada também como violência sexual).
Seja qual for a forma de contágio, há um tema central recorrente no assunto: o machismo e a falta de qualidade na promoção da saúde e direitos sexuais femininos. Assim como afirma Violeta Ross, boliviana militante pelos direitos das mulheres soro positivo: “Sabemos que é possível controlar o HIV/Aids com medicamentos, mas o remédio não controla a violência e o machismo que vivenciamos todos os dias”. A redução desse problema perpassa descontruir a ideia de que ao homem cabe o controle do sexo, de que a sujeição e posse feminina são naturais ou, ainda, a ideia de que com mulher não se fala sobre sexo.
É importante ainda ressaltar os termos das teses do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro.

168. Diante do constante conservadorismo apresentado pelo poder legislativo, precisamos prezar pela manutenção das conquistas da Lei nº12.845/2013, que permite a vítima de estupro amparo médico, psicológico e social pelo SUS (incluindo no atendimento teste de gravidez, pílula do dia seguinte, teste de  Doença Sexualmente Transmissível e exame de HIV), e combater todas as medidas que sejam retrocessos para o direito a vida da mulher e a propriedade do seu corpo.
[...]
187. Agravos à saúde reprodutiva, como infertilidade, gravidez indesejada, HIV/Aids, associados à violência contra a mulher, têm se mostrado importantes fatores de risco para transtornos mentais, uso excessivo de serviços de saúde, baixa qualidade de vida, limitado desenvolvimento pessoal e profissional e dificuldade de estabelecer relacionamentos interpessoais e afetivos.


Nós, mulheres, necessitamos do feminismo para a promoção dos mais triviais direitos, muitos deles já garantidos aos homens, inclusive os da classe trabalhadora. A luta feminista deve apontar-se aos mais diversos campos do cotidiano. Não nos esqueçamos de que quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede. Uma sociedade que garante saúde sexual feminina, garante, por consequência, saúde masculina.

Referências:
https://extra.globo.com/noticias/mundo/nobel-da-paz-pede-fim-de-impunidade-estupro-como-arma-de-guerra-23168521.html