quarta-feira, 28 de novembro de 2018




A importância de fortalecer a campanha “16 Dias de Ativismo contra a Violência contra a Mulher”

“Uma manhã, eu acordei
E ecoava: ele não, ele não, não, não.
Uma manhã, eu acordei
E lutei contra um opressor.
Somos mulheres, a resistência
De um Brasil sem fascismo e sem horror.
Vamos à luta, pra derrotar
O ódio e pregar o amor”
(Letra: Simone Soares e Flavia Simão.
Cantada em ritmo de Bella Ciao,
canção símbolo da resistência italiana ao fascismo)

Os “16 Dias de Ativismo contra a Violência contra a Mulher” é uma campanha realizada em nível internacional desde 1991, entre os dias 25 de novembro (Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres) e 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos) e que, como o nome por si só sugere, visa combater a violência sexista contra mulheres e meninas. As datas foram escolhidas com o intuito de relacionar a violência patriarcal como sendo um ataque aos Direitos Humanos. A campanha foi elaborada pelo Women's Global Leadership Institute em Rutgers, Universidade Estadual de Nova Jérsei, EUA.
No Brasil, o movimento feminista se mobiliza em torno dessa campanha desde 2003 e tem a tradição de iniciar a campanha um pouco antes, no dia 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra –, com o objetivo de denunciar também a violência racista e como as mulheres negras são ainda mais, ou especificamente, atingidas pela violência de gênero.
O Mapa da Violência de 2015 mostrou que o Brasil1 ocupa o 5º lugar na taxa de feminicídio (dentre 83 países cujos dados sobre violência de gênero foram analisados pela ONU) com 4,8 mulheres assassinadas a cada 100 mil, sendo que mulheres negras e meninas são as principais vítimas. Companheiros, familiares e conhecidos são os principais agressores. O Mapa ainda fez levantamentos sobre outras expressões da violência de gênero.
 Como se esses dados já não causassem indignação e já não fossem uma grande justificativa para um intenso combate do feminicídio e da violência de gênero, o Brasil acaba de eleger um presidente fascista que, além de já ter pronunciado inúmeras declarações misóginas e racistas, tem um histórico de, ainda como deputado federal, ter votado contra pautas de interesse das mulheres trabalhadoras, como, por exemplo, seu voto contrário à “PEC das domésticas” (Lei Complementar nº 150/2015, que regulamentou a Emenda Constitucional n° 72, cujo intuito é conceder os mesmos direitos dos trabalhadores registrados com carteira assinada e em regime CLT às empregadas domésticas) e seu voto favorável ao PL 6.055/2013 (atualmente arquivado), que revogaria a Lei 12.845/2013 – lei esta que torna obrigatório aos hospitais públicos o atendimento médico com urgência às vítimas de estupro.
Ainda, trata a questão da violência sexual com a demagogia da “castração química”, como se essa medida descabida pudesse acabar, magicamente, com a epidemia de violência sexual que sofremos. Tal ideia é descabida, pois ignora todo o cenário de violência e objetificação da mulher, o qual ele mesmo o reforça com suas infames declarações. A esse cenário, que o movimento feminista denomina de Cultura do Estupro, é o que faz com que apenas uma minoria das vítimas de estupro denuncie seus agressores2, e, mesmo ainda quando conseguem denunciar, enfrentam um calvário para sustentar a acusação3, pois são desacreditadas a todo o tempo, seja socialmente ou institucionalmente nos espaços públicos de suposto acolhimento e no judiciário.
É nesse cenário que o CFCAM vem sustentar a importância de que esses 16 dias – na verdade, 21 dias se contados a partir do dia 20 de novembro – sejam feitos não só de ativismo virtual, mas também de militância nas ruas, nas escolas, nos bairros e em todos os locais possíveis, arduamente empenhada na denúncia do machismo que as mulheres estão submetidas e no diálogo constante com as trabalhadoras, visando o aumento da consciência feminista, de classe e da necessidade de organização para barrar todos os retrocessos que o próximo governo comandará e aprofundará.
Uma vida sem violência é possível!

Fontes:

segunda-feira, 26 de novembro de 2018




A feminização do trabalho

            A classe trabalhadora não é uma massa homogênea e, para entender o mundo do trabalho na sociedade capitalista, há a necessidade de se aprofundar sobre as particularidades da exploração da força de trabalho da mulher, que é superexplorada e se apresenta de forma diferente.
 Ou, conforme Antunes (1999 apud CISNE, 2013):

As relações entre gênero e classe nos permitem constatar que, no universo do mundo produtivo e reprodutivo, vivenciamos também a efetivação de uma construção social sexuada, onde os homens e as mulheres que trabalham são, desde a infância e a escola, diferentemente qualificados e capacitados para o ingresso no mercado de trabalho. E o capitalismo tem sabido apropriar-se desigualmente dessa divisão sexual do trabalho.

            Sabemos que as mulheres, em virtude da divisão social do trabalho, aqui entendida de acordo com Karl Marx como parte constitutiva da organização do processo de trabalho, ocupam um lugar no qual sua força de trabalho serve ao capital para a produção de riqueza, mas também para a manutenção e reprodução de sua própria força de trabalho, bem como de outros trabalhadores.
            Engels (2012), em “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado”, aponta que a família monogâmica foi a primeira forma de família baseada em condições econômicas e no triunfo da propriedade privada sobre a coletiva.
A entrada das mulheres no mercado de trabalho capitalista se deu durante a Revolução Industrial já que o uso das máquinas e equipamentos possibilitaram substituir a força muscular. Assim, o capitalista começou a utilizar sua força de trabalho, como as das crianças, aumentando o contingente de trabalhadores assalariados, ou nas palavras de Marx “lançando à máquina todos os membros da família do trabalhador no mercado do trabalho, repartindo o valor da força de trabalho do homem adulto pela a família inteira” (MARX, 1971 apud NOGUEIRA, 2004).
A partir de então, e tendo em vista ainda as etapas de desenvolvimento das forças de produção capitalistas, podemos dizer que houve uma ampliação da exploração do trabalho da mulher, erigindo, aí, uma intensificação desse fenômeno a partir das características também da divisão sexual do trabalho, que leva em conta as características atribuídas socialmente às mulheres, tais como o cuidado, a paciência, a possibilidade de realização de várias atividades ao mesmo tempo e a resiliência.
Ou seja, a feminização do trabalho.
Nesse sentido, a feminização do mundo do trabalho tem determinações importantes para a produção e reprodução do capital e na esfera pública, a força-de-trabalho da mulher é superexplorada, devido aos baixos salários, desvalorização, subordinação e na esfera privada, onde é a mulher que é responsável pela manutenção da força de trabalho dos filhos, do marido e de si própria.
Claudia Mazzei Nogueira, em seu artigo “A feminiziação no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização”, situa essa etapa da exploração na crise do taylorismo/fordismo, o que levou, nos anos 80/90, o capital a se reorganizar com a desregulamentação dos direitos trabalhistas e as privatizações do Estado, causando uma precarização das condições de trabalho, que recaiu também e principalmente sobre as mulheres trabalhadoras.
Assim, apesar do aumento o número de mulheres no mercado de trabalho, esse quadro desvalorizou o trabalho feminino e o pauperizou, flexibilizando cada vez mais suas condições, sendo um exemplo disso o trabalho em tempo parcial realizado majoritariamente por mulheres. A autora cita ainda que as mulheres foram utilizadas pelo capital como instrumentos para flexibilizar as condições e as leis de trabalho, atingindo inclusive a força de trabalho masculina (NOGUEIRA, 2004).
         No mundo do trabalho, segundo pesquisa do Dieese (2013 apud Caderno de Resoluções do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, 2015), as mulheres hoje representam cerca de 50% da força de trabalho, no Brasil. Deste contingente, 40% das mulheres trabalham em situação precária. Das que trabalham em situação precária, 70% são negras e 15% são trabalhadoras domésticas.
Além disso, a mulher sofre dentro de seu local de trabalho com o machismo e as relações de poder. Estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego (apud Caderno de Resoluções do Coletivo Feminista Ana Montenegro, 2015) revelam que 73% dos assédios morais são sofridos por mulheres, na sua maioria negras. E quando se fala dos assédios sexuais, os números são mais assustadores: 99% dos casos denunciados são de mulheres assediadas por homens.
A inserção das mulheres no mundo do trabalho pode parecer uma grande conquista de emancipação, mas é necessário que se vá para além das aparências e a entenda como parte da própria contradição do Capital e a entrada de uma parcela cada vez maior de mulheres no mundo do trabalho não resolve sua emancipação.
As mulheres têm de aceitar os salários mais baixos, as mais precárias condições de trabalho e os diversos tipos de violência que pode se experienciar. Além disso, a mulher continua sendo a mantenedora da esfera privada, na família nuclear, onde realiza a reprodução social da vida, na qual o trabalho doméstico, realizado majoritariamente por mulheres trabalhadoras, não é reconhecido pelo modo de produção capitalista, isso faz com a mulher tenha uma jornada no mínimo 8 horas maior que o trabalhador médio.
Isso evidencia que o capital se opõe ao processo de emancipação da mulher: a falta de vagas em creches, a falta de restaurantes e lavanderias públicas são algumas provas desse fato, além do retrocesso e da volta da força de ideias como a que diz que mulher deve ser bela, recatada e do lar.
            O movimento para uma emancipação das mulheres surge da condição implacável de expansão desse sistema, que tem a necessidade de absorver a força de trabalho da mulher em um numero cada vez maior. Para que essa alteração se realize é necessário que nesse processo resolva algumas questões sobre a igualdade da mulher e a extinção de alguns tabus.
“A mulher é a proletária do proletário”. Assim Flora Tristan, em sua obra “União Operária”, escrita em 1843, descreve a situação da mulher trabalhadora na sociedade na qual reina o modo de produção capitalista.  Ela ainda completa afirmando que a mulher não conseguirá sua emancipação se não for pelas mãos da classe trabalhadora. Tristan, percussora da I Internacional Socialista, é uma das lutadoras que nos inspiram a afirmar que para a luta da emancipação da humanidade e da mulher trabalhadora, não é necessário apenas o combate da opressão masculina sobre a feminina, mas, também, ter como horizonte de luta a superação da relação capital/trabalho.

Bibliografia:
CISNE, Mirla. Feminismo, luta de classes e consciência militante feminista no Brasil. Tese de Doutorado. UERJ. 2013.

ENGELS, Friedrich. A Origem da família, da propriedade privada e do estado. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1 ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.

NOGUEIRA, Cláudia M.. A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização. In: ANTUNES, R.; SILVA, M. A. M. O avesso do trabalho. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

Para assistir:
Terra Fria.
Outra ode ás costureiras. https://www.youtube.com/watch?v=UpRd8UfHg7o

quarta-feira, 21 de novembro de 2018





As “mães” da ciência
  
            Estamos acostumadas a ler biografias de cientistas, pesquisadores e inventores que, por serem pioneiros em seus estudos e feitos científicos, foram historicamente denominados como “pais da ciência” ou de suas descobertas. Biografias estas, em maioria, esquecidas ao não citar as mulheres que, desde o início da humanidade, geram e/ou são a força braçal e intelectual que nos permitiu traçar esse longo caminho até aqui.
            O registro mais antigo de uma mulher na ciência é de 2700 a.c. e pertence a Merit Ptah, médica chefe no antigo Egito. Apesar de, desde sempre passarem por opressões e repressões de gênero que muitas vezes as impediam de estar em determinados lugares e posições, na Grécia antiga, estudos como o de filosofia natural também eram abertos às mulheres – que acabavam por tomar frente em pesquisas e, com isso, tiveram grande contribuição para as produções científicas da época, em áreas como a medicina, astronomia, matemática, filosofia e física. Ademais, foram duas mulheres as primeiras a fazerem uso de equipamentos e processos químicos. Isto refere-se ao fato de que o acesso à produção científica foi historicamente negado às mulheres. Os registros históricos de mulheres da antiguidade que dedicaram suas vidas ao estudo e pesquisa são raros e se restringem às tais áreas: de medicina, botânica e alquimia.
            Não se pode deixar de pontuar – ou, então, não dar a devida atenção – ao fato de que tais possibilidades só eram cabíveis às mulheres que, de algum modo, detinham posses e riquezas e, para a ascensão destes homens e mulheres, muitos outros foram escravizados e explorados – prática ainda mais comum com o princípio da Idade Média; com o rápido avanço do cristianismo; passando pela temida Idade das Trevas (período de escasso ou erradicada produção de registros históricos, cultural, econômico e científico); com a queda do Império Romano; e, com as abadessas (alto cargo religioso cristão) que tinham acesso às cópias de manuscritos de estudiosos do passado e que passaram a ler e continuar a produção cientifica em diversas áreas de conhecimento. Porém, o crescimento das freiras, em número e poder, não foi nenhum pouco agradável para o Clero, à época extremamente patriarcal e misógino, que reagiu com ordenações religiosas imperativas, fechando suas portas paras as mulheres e excluindo-as da oportunidade de aprender a ler e a escrever.
            Em tempo adiante, cumpre registrar o surgimento das universidades, que foram edificadas, como de praxe, majoritariamente para os homens, onde poucas as instituições que abriram suas portas para algumas mulheres assistirem determinadas palestras, em sua maioria, na área da medicina, visto desde então a influência dada às mulheres para ocuparem cargos relacionados ao cuidado – encargo destinado pela construção da ideia de maternidade compulsória.
            Na modernidade não tem sido diferente. Ainda relegada ao lar e aos afazeres domésticos, a mulher foi impedida de participar da explosão do conhecimento científico e desenvolvimento das tecnologias que marcam a sociedade moderna. E esse quadro só começou a mudar muito recentemente.
            A entrada da mulher no mercado de trabalho marca, pela necessidade de formação profissional, sua gradual entrada na universidade. Hoje sete países (Reino Unido, Canadá, Austrália, França, Dinamarca e Brasil) já atingiram marca de pelo menos 40% do total de publicações sendo feitas por mulheres, número considerado patamar de igualdade.
            Apesar desses números aparentemente animadores, considerar apenas a quantidade de publicações é insuficiente para compreender a realidade. Um estudo publicado no periódico Harvard Business Review mostrou que 52% das pesquisadoras estadunidenses desistem da carreira, a maioria por volta de seus 30 anos. O alto nível de desistência está relacionado com o fato de, além do trabalho científico demandar longas jornadas de pesquisas e viagens fora do expediente como conferências e trabalho de campo, a mulher ainda precisa conciliar tudo isso com o trabalho doméstico e maternal.
            Outro problema ainda muito presente é a baixa inserção das mulheres nos cursos de ciências naturais, como matemática, física e ciência da computação, o que pode ser explicado pela falta de estímulos que recebemos desde muito cedo em nossos lares. Enquanto meninos são estimulados a construir, pilotar e concertar, os brinquedos de meninas se ainda restringem ao ambiente doméstico.
            Se hoje uma parcela das mulheres tem acesso à universidade, seu acesso é ainda pouco estimulado e sua permanência e possibilidade de seguir carreira científica são ainda muito frágeis dada a dupla jornada que ainda recai exclusivamente sobre a mulher e falta de direitos como acesso a creches e direito a amamentação em ambientes de trabalho.
            Nota-se, assim, que desde o princípio, passando pela revolução científica no século XVI, temos uma imensidão de histórias de mulheres que foram negligenciadas, excluídas e apagadas de incríveis feitos e locais voltados ao conhecimento. Em contrapartida, o ideal aceito passou a ser de que seríamos mentalmente inferiores aos homens e que nosso papel deveria ser exclusivo aos cuidados da família, exercendo manutenção da rotina e do sistema já capitalista e patriarcal. Apesar deste cenário, mulheres como nós continuaram lutando por seus direitos e pela possibilidade de provarem sua capacidade intelectual, apagadas atrás de seus maridos – que muitas vezes se apropriavam de seus estudos –, interrompidas em suas produções e invisibilizadas, como, por exemplo, no caso de Hedy Lamarr: inventora e atriz, pioneira na invenção de sistemas de comunicação e sinais – que mais a frente originou o hoje então conhecido “sinal Wifi” – que, apesar de todo o feito, é apenas lembrada por ter sido a primeira mulher a aparecer nua no cinema.
            Dentre inúmeros exemplos e citações mais: Maria Gaetana Agnesi, matemática espanhola, autora do primeiro livro de álgebra escrito por uma mulher. Marie Curie, mãe da física moderna, pioneira em estudos com radioatividade. Rosa de Luxemburgo, com sua incrivel contribuição marxista e dialética. Nise da Silveira, psiquiatra pioneira na luta antimanicomial no Brasil.
            Enfim, mulheres incríveis que, apesar de todas as dificuldades aqui postas, as posições de classe foram propícias para que ascendessem. Este adendo nos serve para que enxerguemos que a luta vai além. Devemos, portanto, lutar para que reste assegurada uma educação laica, pública, gratuita e inclusiva, para que também nossas meninas do seio proletário e as mulheres trabalhadoras consigam alcançar verdadeiros papeis dentro da ciência, dos locais acadêmicos e dos livros históricos.
            Camaradas e companheiras: coragem e ação! Para compreender nosso papel enquanto acadêmicas e produtoras do conhecimento, devemos nos apropriar das leituras que nos contemplam enquanto gênero e classe, como Angela Davis: negra, feminista e marxista, que com sua obra "Mulheres, raça e classe" nos permite entender os acontecimentos e o difícil caminho trilhado por nós e as causas de nossa posição totalmente desigual na sociedade, inclusive no mundo da ciência e do conhecimento, mas que, acima de tudo, também nos enche de coragem para a transformação. Sejamos juntas, com nossa voz ativa e embasada, a nossa própria revolução!

sexta-feira, 16 de novembro de 2018



Mulheres e ditadura: Luta e resistência

No último período, no cenário eleitoral, presenciamos uma enorme cisão na sociedade: de um lado estaria a dita “família de bem” e do outro, mulheres, negros, LGBTQIA+ e a esquerda. Esse debate ressuscitou a lembrança e o medo de um dos piores períodos da história brasileira: a Ditadura Civil Militar. Para muitos que não conhecem a História, a ditadura parece uma chamada à ordem por meio da força, mas o que muitos não questionam é sobre a ordem de quem e para qual objetivo.
Os regimes autoritários surgem como instrumentos de reorganização do Capital em diversas partes do mundo, já que no mesmo período ascende, também, em escala mundial, uma possibilidade de organização da classe trabalhadora e o enfrentamento ao modo de produção vigente. Este momento da história é marcado por intensa repressão e violência contra qualquer pessoa que ousasse questionar o modelo ditatorial. Destacaremos aqui a violência sofrida pelas mulheres, que apresentou requintes de crueldade pouco divulgados e estudados até hoje.
A efervescência da luta por direitos das mulheres nos anos 60 encontra, na particularidade brasileira, a luta pela queda do regime militar. As mulheres estavam organizadas em associações de bairros, movimentos sociais, em guerrilhas armadas, em partidos políticos e diversos movimentos sociais, participando ativamente da resistência e oposição ao regime, ainda que tenham tido sua história de luta silenciada. A violência contra as presas políticas do período foi intensificada pela misoginia do regime e se expressava em práticas de tortura monstruosas.
As presas eram, em sua maioria, estupradas e constantemente violentadas sexualmente. As mães eram torturadas na frente dos filhos e as grávidas espancadas até o abortamento. Se tinham bebês, eram proibidas de amamentar. A brutalidade da tortura incluiu, até mesmo, o uso de animais vivos, dentre eles, jacarés e ratos como instrumentos de tortura. A violência contra as mulheres foi marca desse período, mas isso não impediu a organização política das mesmas, que além do regime militar, enfrentavam também uma disputa dentro da própria esquerda para consolidação do feminismo no Brasil, pois o movimento pelos direitos das mulheres foi considerado, por muito tempo, como secundário em relação à luta de classes.
Ao longo dos anos e devido o trabalho de muitas militantes, os movimentos feministas conquistaram o papel central na luta pela vida das mulheres, pela construção de uma nova sociedade livre do machismo e do patriarcado e ocuparam outros espaços de destaque, como a imprensa e sindicatos, sendo fundamentais na luta pela reabertura política.
Hoje, no Brasil, vimos o reflexo de uma crise estrutural do capital onde, a partir de 2016, cresceu uma alternativa radicalizada da extrema direita que alinha o conservadorismo com o ultraliberalismo econômico. Então, nós, mulheres trabalhadoras, principalmente, feministas e lutadoras sociais fomos novamente alvos desse setor. Como representação disso temos a morte de Marielle Franco, mulher, periférica, negra, lésbica, para além de todas as opressões estruturais que a mesma sofria, Marielle foi morta por aquilo que ela representava. Muito mais do que uma representatividade na institucionalidade burguesa, ela representava um modo de fazer política que se aproximava da classe trabalhadora, daqueles que são diariamente e historicamente massacrados pelo Estado brasileiro.
Em 2018, com a candidatura de Bolsonaro como a representação dessa direita, nós mulheres tomamos a frente na luta contra a sua eleição. Principalmente nos atos “Ele Não”, especialmente no dia 29 de setembro, onde milhões de pessoas se reuniram em mais de 100 cidades brasileiras. Atos que foram chamados por diversas organizações feministas em unidade contra o inimigo comum. Nós, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro estivemos presentes na organização deste e de outros atos contra Bolsonaro.
Com o resultado da eleição, a luta não pode parar. Para isso é imprescindível a organização das mulheres de nossa classe, para conseguirmos barrar os retrocessos e lutar pelas liberdades democráticas.

“Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!

Links importantes:

-         Aula pública: Gênero e Ditadura Militar com Amelinha Teles

-         Documentário: Marcas Femininas Contra a Ditadura Militar

-         Relatório da Comissão Nacional da Verdade
(Capítulo 10 - Violência sexual, violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes)

-         Rosalina Santa Cruz | “Golpe de hoje atinge pobres e negros”