segunda-feira, 10 de setembro de 2018



Mulher e o descaso da saúde pública


O Sistema Único de Saúde - SUS foi legalmente instituído em 1988, através da Constituição Federal vigente, e regulamentado apenas dois anos mais tarde, por meio da Lei nº 8.080/1990, propondo o direito à saúde para todos e todas como uma necessidade básica e inegociável da população. Dentre seus princípios doutrinários, foram elencados os da universalidade, equidade e integralidade, apesar de os entendermos como inalcançáveis dentro de uma sociedade capitalista. Mas, ainda assim, o SUS se faz, atualmente, como sistema necessário dentro das desigualdades sociais evidentes entre classes.

Especificamente no que assola as mulheres trabalhadoras e a maternidade, cumpre destacar que, no Brasil, não há tipo penal para o crime de violência obstétrica, ainda que 1 a cada 4 mulheres morram no país por tal motivo. Além disso, a violência na saúde se arrasta, dia após dia, com o surgimento de práticas que reafirmam a sujeição da mulher a péssimas condições de tratamento. Uma das práticas ainda comum é a chamada Episiotomia, que consiste em um corte cirúrgico de, aproximadamente, seis centímetros, realizado na área muscular entre a vagina e o ânus, ampliando o canal do parto para facilitar a saída do bebê. Esse procedimento é feito em 53,5% dos partos brasileiros, descumprindo a recomendação fornecida pela Organização Mundial da Saúde - OMS para que sua realização ocorra em apenas 10% dos casos, uma vez não apresentar indicações nem benefícios às mulheres. Existem, também, outras práticas comuns de violência, como, por exemplo, a privação de alimentos; repetitivos exames de toque; manobra de Kriteller; posição obrigatória de litotomia; entre outros. Todas estas práticas nós denunciamos nesta oportunidade!

Para além, insta apontar que, ainda no Brasil, cerca de 46% dos partos no setor público são por cesáreas, mesmo com a OMS indicando que tal execução ocorra em uma porcentagem mínima de 10 a 15%. Ademais, cumpre ressaltar que a mulher negra é a que mais sofre violência obstétrica no país, recebendo, por exemplo, quantidade menor ou nula de anestesia. Ainda, é possível nos depararmos com os dados lançados em 2014 pelo Ministério da Saúde que apontam que 60% das vítimas de mortalidade materna no Brasil são negras. Por fim, enquanto 46,2% das mulheres brancas têm acompanhamento médico e familiar durante a maternidade e o parto, somente 27% das mulheres negras usufrui desta realidade.

Por conseguinte, no Brasil, há, por ano, média de um milhão de abortos ilegais, o que resulta o ranking de ser esta a quinta causa de mortalidade materna no país. Longe de esgotar o tema, é imprescindível pontuar que o aborto clandestino é um dos maiores problemas de saúde pública, afetando principalmente mulheres negras e pobres que morrem duas vezes mais do que as mulheres brancas e de classes mais elevadas. Portanto, é também uma violência contra a mulher a criminalização do aborto, ao tirar nossa autonomia e os nossos direitos à saúde e à reprodução.

Como complemento, a Lei nº 10.778/2003 obriga que as redes pública e privada de saúde denunciem ao Ministério responsável os casos de violência obstétrica contra a mulher. Porém, dentro do sistema patriarcal e capitalista, cujo auge do descaso à nossa classe é atingido, tal observação nem sempre se efetiva, desmobilizando este instrumento de denúncia.

Ao que tange a saúde mental, 74% dos consumidores de remédios psíquicos são mulheres. Especificamente em mulheres abusadas sexualmente ou psicologicamente, tem se observado, com mais frequência e intensidade, casos de transtornos e abusos de substâncias. Além do estereótipo e da padronização de beleza, os agravos à saúde reprodutiva (exemplo: infertilidade, HIV, entre outros) também têm sido alguns dos fatores de risco que culminam em transtornos mentais.

Não se pode deixar de pontuar que as múltiplas jornadas de trabalho e a violência sistemática (desigualdade, discriminação, machismo) afetam negativamente a saúde mental das mulheres. As mulheres transexuais, por sua vez, são alvos de constante desrespeito e preconceito que as levam a resistir a tratamentos médicos por latente medo de serem revitimizadas, maltratadas e mal compreendidas.

Portanto, é possível afirmar que as políticas públicas médicas não contemplam todas as necessidades da mulher trabalhadora de modo a realmente garantir sua saúde. Como exemplo, o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. Apesar de ser público e importante por promover a saúde das camadas mais necessitadas da população, os profissionais do CAPS tendem a utilizar métodos majoritariamente medicalizantes, o que, por vezes, beneficia mais os interesses mercadológicos da indústria farmacêutica do que a saúde propriamente dita, não se perfazendo como processo social e humanitário.

Em conclusão, é válido relembrar e destacar que a mulher, desde a origem da propriedade privada, como aponta Engels, tornou-se ser social a serviço da hereditariedade e perpetuação da mesma, o que ainda perdura ao longo da história e do capitalismo – mesmo com as tentativas frustradas de tentar humanizar este sistema com direitos humanos paliativos e leis garantidoras falhas. Isto ocorre por não haver efetiva preocupação com a saúde da mulher trabalhadora, uma vez que somos consideradas, ainda, em essência, mero instrumento de reprodução à disposição da manutenção da ordem.

O caminho da nossa luta deve ser, portanto, em direção à construção do Poder Popular para que assim possamos ter profissionais humanamente formados e políticas públicas de qualidade, universais, voltadas às trabalhadoras e aos trabalhadores, suprindo suas urgências e demandas biopsicossociais.

Deste modo repetimos: sem feminismo, não há socialismo!

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