quinta-feira, 27 de setembro de 2018



CAPITALISMO E PROSTITUIÇÃO 

A prostituição é uma das mais antigas profissões exercida, majoritariamente, por mulheres. Na sociedade patriarcal, a mulher desempenha trabalhos do cuidado, sexual e doméstico – e o advento do capitalismo não mudou este cenário. As mulheres, na divisão sexual do trabalho, são destinadas a desempenhar algum desses ofícios ou, até mesmo, todos eles. Aqui iremos discutir o trabalho sexual desempenhado pelas profissionais do sexo, mais especificamente o retrato das atrizes pornôs.

A partir de 2002, a Classificação Brasileira de Ocupação – CBO passou a regulamentar a existência das profissionais do sexo, o que significa que, no Brasil, a prostituição não é crime, porém a dita cafetinagem é (artigo 227 e seguintes, do Código Penal). No entanto, não há nenhuma normatização dos direitos trabalhistas para tais profissionais, mas em tentativa, no ano de 2012, o Deputado Federal Jean Wyllys, do PSOL, formulou o Projeto de Lei nº 4.211/2012, conhecido como PL Gabriela Leite, que ainda hoje tramita como uma iniciativa para a regulamentação da profissão, sendo, no entanto, muito criticado por várias militantes da categoria. Mesmo assim, considera-se referida experiência legislativa como um passo importante para a discussão sobre a regulamentação ou não da profissão.

Pode-se afirmar que, de forma geral, a prostituição, quando em discussão, é abordada mais no campo da moral do que na seara dos direitos trabalhistas. Porém, os debates morais fogem ao que é essencial: se a regulação dessa profissão é possibilidade de melhora nas condições de trabalho e ao acesso aos direitos sociais negados historicamente à categoria. Isso faz com que as profissionais do sexo sejam sempre marginalizadas e lançadas à própria sorte. Vale frisar que, o interessante, é que nesse debate da normatização, as profissionais são consideradas, simultaneamente, de um lado vítimas e, do outro, pervertidas:

Não faço aqui uma defesa cega, festiva e alegórica da prostituição, mesmo porque é uma atividade que existe e resiste há milênios, apesar de todo o estigma, da repressão e das violências sofridas pelas pessoas que a exercem (em especial as mulheres), parece não precisar de defesa alguma, para seguir existindo. Ainda que precise se reivindicar constantemente para não desaparecer de vez. A prostituição, se não pode ser considerada trabalho como outro qualquer - definição que apagaria suas especificidades e questões, não apenas laborais, mas também uma série de tabus, estigmas e opressões ligadas a sexualidade humana, em especial feminina -, tem sido um trabalho possível para um número imenso de pessoas (Putafeminista, Monique Prada, 2018, p.60-59).

Monique Prada – autora acima citada – é uma profissional do sexo que não se coloca como vítima, mas também não romantiza a profissão. Ela defende a prostituição como um trabalho com altos e baixos como qualquer outro, não sendo as profissionais do sexo, necessariamente, vítimas a serem resgatadas da condição de abuso e exploração, o que nos sugere pensar a prostituição por outros ângulos que fogem ao debate moral e assistencialista – ângulos estes que, por si só, acabam por gerar uma cortina de fumaça em torno do tema.

Ainda assim, enquanto persiste a discussão sobre a prostituição ser ou não ser considerada trabalho, suas nuances e pormenores, a indústria do sexo continua existindo e, diga-se de passagem, “vai muito bem, obrigada”. Neste sentido, iremos tratar de forma bem sucinta, um ramo específico da prostituição: a produção de vídeos pornôs e a chamada “uberização” da prostituição.

As relações sociais existentes são afetadas pelo desenvolvimento das forças produtivas (técnicas, tecnologia, maquinários, etc). Ambas são responsáveis pela formação da vida social e de como essa vida é produzida historicamente. A relação entre elas – relações sociais e forças produtivas – não se desenvolve no mesmo ritmo, no entanto estão intrinsecamente dependentes. Em outras palavras, o sentido social que terá determinada atividade laboral e como ela será exercida em seu tempo histórico dependerá do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais coexistentes.

Neste sentido, em termos de produção social da vida quanto ao tema aqui tratado, até o final da década de 1990, o que tínhamos de sexo “virtual” eram os vídeos pornôs produzidos pela indústria do sexo e, de modo geral, financiada pela máfia midiática. A produção do vídeo pornô envolvia uma gama de trabalhadores e trabalhadoras que desenvolviam várias atividades para colocar as filmagens nas prateleiras das locadoras sob acesso dos clientes adultos – em sua maioria homens. Ter uma câmera de vídeo e sustentar uma estrutura para a produção de um filme não era, na época, tarefa fácil - até mesmo para a pirataria.

Com a chegada do DVD nos anos 2000, a pirataria ficou mais simples e acessível, o que afetou diretamente a indústria do sexo. De acordo com o documentário “Pornocracy” - produzido em 2017 por uma ex-atriz pornô e disponível na Netflix -, essa indústria do sexo passou, progressivamente, a não ser tão rentável, exigindo mudanças na relação das produtoras com as atrizes e atores e no papel dos distribuidores e consumidores.

Porém, o advento da internet colocou em xeque a indústria de sexo e o papel das produtoras de vídeos pornôs. Com acesso livre e gratuito a centenas de vídeos e sem restrições para o consumidor, as produtoras tiveram que baratear excessivamente seus gastos com produção. Nesta toada, muitas empresas do ramo perderam espaço no mercado chegando à falência, o que causou impacto direto nas profissionais do sexo. Antes deste fenômeno uma atriz pornô tinha rendimentos consideravelmente altos dentro desta categoria profissional, exemplo disso é o da famosa atriz pornô Cicciolina. Vale pontuar que, apesar da sociedade aceitar essa existência, ela reduz as profissionais à guetos.

A partir de 2006, portanto, os vídeos pornôs passaram a ser um dos itens mais procurados e acessados na “web”. Surgiram vários “tubes” com disponibilização de conteúdos para adultos, porém com acesso irrestrito e sem controle, tais como: Youporn, Xtube, Pornhub, Red tube, etc. Com a popularização da internet e o desenvolvimento das tecnologias da informação, a indústria do sexo passou a não visar mais a produção e a distribuição de vídeos pornôs, como na era do VHS e do DVD, mas passou, sim, ir à procura de fluxo de dados. Essa nova realidade gerou um novo papel para o consumidor, que deixou de ser simplesmente um espectador para se tornar um ator ativo na geração de lucro para a indústria. As atrizes perderam ainda mais valor nesse mercado, pois a partir de então vídeos gratuitos e com acesso irrestrito transmitem suas cenas, sem o menor controle das mesmas, acabando com o mistério e o suposto “glamour”, defendido por algumas, que existia em torno da profissão.

Em 2008, no auge de uma das mais impactantes crises econômicas, os vários “tubes” são comprados por um grande empresário chamado Fabian Thylmann, que passa a ser o seu único dono e a controlar o fluxo de dados através da MANWIN. Vários “tubes” independentes não conseguiram resistir à concorrência e ao monopólio exercido por Thylmann, chegando à falência. Para se ter uma ideia, o ocorrido narrado é semelhante a uma grande rede de supermercados que chega num pequeno bairro de uma cidade com vários mercadinhos locais que, de uma hora para outra, têm que concorrer com essa grande rede. As consequências são demissões de vários trabalhadores e o fechamento dos mercadinhos. Semelhante fato ocorreu na indústria do sexo com a chegada da MANWIN, afinal, estamos falando da formação potente de monopólio, um movimento inerente do sistema capitalista, como identificou Lenin em sua obra “Imperialismo, a fase superior do capitalismo”.

Em 2013, Fabian Thylmann aliena a MANWIN devido às denúncias de lavagem de dinheiro e transações financeiras escusas, vendendo-a para um grupo de investidores desconhecidos, no qual o documentário “Pornocracy” sugere ter relações com bancos e grupos de WAll Street. A empresa passa a se denominar MINDGEEK.

Devido a esse movimento de concentração do capital proporcionado pelo desenvolvimento das forças produtivas, as atrizes pornôs sofreram massivamente com a precarização. A necessidade constante de baixar os custos de produção fez com que a exploração das profissionais ficasse mais intensa e até mesmo a autoexploração passou a ser uma alternativa. Segundo o documentário, do total das receitas geradas pelas atrizes, 78% destinava-se à MINDGEEK; 22% às produtoras amadoras; e, algo em torno de $1.400,00 às atrizes. Vale constar que essas profissionais, na maioria das vezes, não têm ideia do quanto geram de lucro ao monopólio, além de exercerem pouco controle sobre sua renda.

Segundo o mesmo documentário, para conseguirem sobreviver no mercado, algumas produtoras submetem seus trabalhadores e trabalhadoras à jornadas de trabalho de até 20h por dia para que possam gerar lucros satisfatórios. A MINDGEEK controla todo o fluxo de dados e é a plataforma que hospeda, além dos vídeos, os sites que possuem catálogos de profissionais do sexo à disposição para a realização de “programas” - tudo controlado pela empresa, como se fosse um aplicativo estilo Uber, em que a trabalhadora deverá, ao final, pagar uma porcentagem ao aplicativo para se manter online.

A chamada “uberização” da prostituição afetou, inegavelmente, a produção da indústria audiovisual do pornô. Vale estudar com mais zelo, também - o que não compete ao presente texto – se a precarização do trabalho das atrizes pornôs afetou outras profissionais do ramo, como as profissionais que trabalham nas ruas e boates, por exemplo.

Assim, por mais que nos debrucemos em torno da caracterização da prostituição ser ou não trabalho, ou ainda que busquemos um posicionamento classista a despeito de sermos contra ou a favor da sua regulamentação, o que se pode concluir, por agora, é que a indústria do sexo continua sendo bem rentável e gerando significativos lucros para seus investidores. Tal indústria, atualmente, envolve vários programadores e profissionais da tecnologia da informação, que buscam desenvolver a cada ano novas ferramentas para o sistema, portando-se como um setor da econômica capitalista que tem sua cadeia de produção, de consumo e de trabalhadoras que fazem o capital girar – e, enquanto lucrativa for, não irá deixar de existir.

Por fim, pontua-se que a luta de várias militantes da categoria, como a de Monique Prada, é legítima e está intrinsecamente liga ao combate à exploração do trabalho sexual das mulheres nessa sociedade patriarcal e profundamente desigual. É válido pontuar que nós, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, ainda estamos em profundo debate e formação acerca do tema, antes de nos posicionarmos historicamente a despeito do assunto. Assim, coube a este texto um papel descritivo e de observação. Mas não nos omitimos: fazemos frente a todas as formas de opressão e exploração, buscando a ruptura com o atual sistema, na luta e no enfrentamento rumo a uma sociedade verdadeiramente e humanamente emancipada para todos e todas - e para as diversas categorias de trabalho subjugadas pelo capital.


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