terça-feira, 4 de setembro de 2018



Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres e a Criminalização do Aborto


Dissertar sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres é um assunto amplo. Os “Direitos Sexuais e Reprodutivos” compreendem o direito a qualquer pessoa de desfrutar de sua vida sexual sem discriminação quanto à sua orientação sexual; o direito à decisão de todo casal ou indivíduo sobre a reprodução sem coerção ou violência; a criação dos filhos compartilhada igualmente entre homens e mulheres; o acesso a uma saúde pública de qualidade e integral que garanta a saúde sexual e reprodutiva dos indivíduos; o aborto legal, seguro e gratuito; entre outros.

Porém, talvez o direito ao aborto “legal, seguro e gratuito” seja o tema mais polêmico e que mais tem repercutido nacional e internacionalmente. Tal discussão perpassa aspectos morais, legais, religiosos, sociais e culturais que criam um sentimento de impasse em quem busca esclarecimentos sobre o assunto. Apesar disso, quando falamos de políticas públicas em relação aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, especialmente se levarmos em conta que vivemos em um país dito laico, devemos nos atentar aos fatos concretos que envolvem a questão. Quais sejam: 1 em cada 5 mulheres com 40 anos já realizou pelo menos 1 aborto na vida (principal resultado da pesquisa nacional do aborto); em números absolutos, isso representa 10 vezes o sistema prisional brasileiro (que já é o terceiro maior do mundo); 50% das mulheres que realizam o aborto clandestino finalizam-no em hospitais públicos; algumas morrem e muitas sofrem com sequelas, dores e, principalmente, com a violência na assistência em saúde; e, por fim, uma mulher morre a cada 2 dias, no Brasil, em decorrência de abortos clandestinos.

Diante de dados chocantes, constatamos a realidade que muitos insistem em não ver: apesar de proibido, o aborto é uma realidade para a mulher comum brasileira. E é preciso ir mais além: embora tanto as mulheres ricas, quanto as mulheres pobres realizem abortos, as com maior poder aquisitivo, inegavelmente, têm acesso a clínicas e a profissionais que garantem uma maior segurança no procedimento; às que não possuem condições de pagar por aquilo que deveria ser um direito de todas, só lhes restam os métodos mais desesperados, sem qualquer assistência. A criminalização do aborto, assim, reforça uma desigualdade intrínseca à sociedade capitalista e funciona como mais um instrumento de opressão da mulher trabalhadora.

Na legislação atual, o Código Penal prevê o aborto nos casos de risco de vida para a mulher e quando a gravidez oriunda de estupro. Para além, em 2012, em decisão, o Supremo Tribunal Federal - STF autorizou a interrupção da gestação em casos de anencefalia. No entanto, mesmo nos casos previstos em lei, como no caso de vítimas de estupro, a mulher pobre não consegue, facilmente e sem danos psicológicos, realizar o aborto. Isto porque muitas instituições públicas se negam a realizá-lo, e muitas das que realizam-no ainda acreditam ser necessário o registro de um Boletim de Ocorrência, um laudo médico ou alguma outra forma de autorização judicial para o procedimento – mesmo não havendo mais essa obrigatoriedade desde 2005. Nos poucos casos em que a mulher vítima de estupro consegue realizar o aborto legal, o processo se mostra extremamente desumano e degradante, sendo a mulher submetida a verdadeiros inquéritos, acentuando ainda mais o seu sofrimento.

É interessante quando comparamos tudo isso à falta de responsabilização jurídica do homem na gestação e criação de um filho. Segundo dado do Conselho Nacional de Justiça, há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento. Enquanto os homens facilmente se esquivam da responsabilidade de criar um filho, a mulher é, de todas as formas, obrigada a manter a gestação – mesmo sendo esta apenas uma expectativa de maternidade – e sofrer todas as repercussões que ela pode lhe trazer.

Diante desse cenário, a descriminalização do aborto é um passo importante em relação à saúde das mulheres e à garantia de sua autonomia, devendo estar aliada, sempre, à luta pelo fim da violência obstétrica, por políticas de difusão de informações em relação à contracepção e ao planejamento familiar, pela criação de creches que atendam às necessidades das mulheres trabalhadoras, etc. Lutar para que as mulheres tenham direito sobre os próprios corpos, mesmo que dentro das limitações impostas pelo capitalismo, é lutar para que diminuamos a hierarquia entre os gêneros, sem deixar de vislumbrar no horizonte o rompimento com esse modelo de sociedade que marginaliza as minorias e lucra com esta disparidade, sendo esse rompimento a única possibilidade de plena emancipação humana.

Pela descriminalização do aborto, com possibilidade de amplo acesso ao aborto legal, seguro e gratuito para as mulheres!

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