As “mães” da ciência
Estamos acostumadas a ler biografias
de cientistas, pesquisadores e inventores que, por serem pioneiros em seus
estudos e feitos científicos, foram historicamente denominados como “pais da
ciência” ou de suas descobertas. Biografias estas, em maioria, esquecidas ao
não citar as mulheres que, desde o início da humanidade, geram e/ou são a força
braçal e intelectual que nos permitiu traçar esse longo caminho até aqui.
O registro mais antigo de uma mulher
na ciência é de 2700 a.c. e pertence a Merit Ptah, médica chefe no antigo
Egito. Apesar de, desde sempre passarem por opressões e repressões de gênero
que muitas vezes as impediam de estar em determinados lugares e posições, na
Grécia antiga, estudos como o de filosofia natural também eram abertos às
mulheres – que acabavam por tomar frente
em pesquisas e, com isso, tiveram grande contribuição para as produções científicas
da época, em áreas como a medicina, astronomia, matemática, filosofia e física.
Ademais, foram duas mulheres as primeiras a fazerem uso de equipamentos e
processos químicos. Isto refere-se ao fato de que o acesso à produção
científica foi historicamente negado às mulheres. Os registros históricos de
mulheres da antiguidade que dedicaram suas vidas ao estudo e pesquisa são raros
e se restringem às tais áreas: de medicina, botânica e alquimia.
Não se pode deixar de pontuar – ou, então, não dar a devida atenção – ao
fato de que tais possibilidades só eram cabíveis às mulheres que, de algum modo,
detinham posses e riquezas e, para a ascensão destes homens e mulheres, muitos
outros foram escravizados e explorados – prática
ainda mais comum com o princípio da Idade Média; com o rápido avanço do
cristianismo; passando pela temida Idade das Trevas (período de escasso ou
erradicada produção de registros históricos, cultural, econômico e científico);
com a queda do Império Romano; e, com as abadessas (alto cargo religioso
cristão) que tinham acesso às cópias de manuscritos de estudiosos do passado e
que passaram a ler e continuar a produção cientifica em diversas áreas de
conhecimento. Porém, o crescimento das freiras, em número e poder, não foi
nenhum pouco agradável para o Clero, à época extremamente patriarcal e
misógino, que reagiu com ordenações religiosas imperativas, fechando suas
portas paras as mulheres e excluindo-as da oportunidade de aprender a ler e a
escrever.
Em tempo adiante, cumpre registrar o
surgimento das universidades, que foram edificadas, como de praxe, majoritariamente
para os homens, onde poucas as instituições que abriram suas portas para
algumas mulheres assistirem determinadas palestras, em sua maioria, na área da
medicina, visto desde então a influência dada às mulheres para ocuparem cargos
relacionados ao cuidado – encargo destinado
pela construção da ideia de maternidade compulsória.
Na modernidade não tem sido
diferente. Ainda relegada ao lar e aos afazeres domésticos, a mulher foi
impedida de participar da explosão do conhecimento científico e desenvolvimento
das tecnologias que marcam a sociedade moderna. E esse quadro só começou a
mudar muito recentemente.
A entrada da mulher no mercado de
trabalho marca, pela necessidade de formação profissional, sua gradual entrada
na universidade. Hoje sete países (Reino Unido, Canadá, Austrália, França,
Dinamarca e Brasil) já atingiram marca de pelo menos 40% do total de
publicações sendo feitas por mulheres, número considerado patamar de igualdade.
Apesar desses números aparentemente
animadores, considerar apenas a quantidade de publicações é insuficiente para
compreender a realidade. Um estudo publicado no periódico Harvard Business
Review mostrou que 52% das pesquisadoras estadunidenses desistem da carreira, a
maioria por volta de seus 30 anos. O alto nível de desistência está relacionado
com o fato de, além do trabalho científico demandar longas jornadas de
pesquisas e viagens fora do expediente como conferências e trabalho de campo, a
mulher ainda precisa conciliar tudo isso com o trabalho doméstico e maternal.
Outro problema ainda muito presente
é a baixa inserção das mulheres nos cursos de ciências naturais, como
matemática, física e ciência da computação, o que pode ser explicado pela falta
de estímulos que recebemos desde muito cedo em nossos lares. Enquanto meninos
são estimulados a construir, pilotar e concertar, os brinquedos de meninas se
ainda restringem ao ambiente doméstico.
Se hoje uma parcela das mulheres tem
acesso à universidade, seu acesso é ainda pouco estimulado e sua permanência e
possibilidade de seguir carreira científica são ainda muito frágeis dada a
dupla jornada que ainda recai exclusivamente sobre a mulher e falta de direitos
como acesso a creches e direito a amamentação em ambientes de trabalho.
Nota-se, assim, que desde o princípio,
passando pela revolução científica no século XVI, temos uma imensidão de
histórias de mulheres que foram negligenciadas, excluídas e apagadas de incríveis
feitos e locais voltados ao conhecimento. Em contrapartida, o ideal aceito
passou a ser de que seríamos mentalmente inferiores aos homens e que nosso
papel deveria ser exclusivo aos cuidados da família, exercendo manutenção da
rotina e do sistema já capitalista e patriarcal. Apesar deste cenário, mulheres
como nós continuaram lutando por seus direitos e pela possibilidade de provarem
sua capacidade intelectual, apagadas atrás de seus maridos – que muitas vezes se apropriavam de seus
estudos –, interrompidas em suas produções e invisibilizadas, como, por
exemplo, no caso de Hedy Lamarr: inventora e atriz, pioneira na invenção de
sistemas de comunicação e sinais – que
mais a frente originou o hoje então conhecido “sinal Wifi” – que, apesar de
todo o feito, é apenas lembrada por ter sido a primeira mulher a aparecer nua
no cinema.
Dentre inúmeros exemplos e citações
mais: Maria Gaetana Agnesi, matemática espanhola, autora do primeiro livro de álgebra
escrito por uma mulher. Marie Curie, mãe da física moderna, pioneira em estudos
com radioatividade. Rosa de Luxemburgo, com sua incrivel contribuição marxista
e dialética. Nise da Silveira, psiquiatra pioneira na luta antimanicomial no
Brasil.
Enfim, mulheres incríveis que,
apesar de todas as dificuldades aqui postas, as posições de classe foram propícias
para que ascendessem. Este adendo nos serve para que enxerguemos que a luta vai
além. Devemos, portanto, lutar para que reste assegurada uma educação laica,
pública, gratuita e inclusiva, para que também nossas meninas do seio
proletário e as mulheres trabalhadoras consigam alcançar verdadeiros papeis
dentro da ciência, dos locais acadêmicos e dos livros históricos.
Camaradas e companheiras: coragem e
ação! Para compreender nosso papel enquanto acadêmicas e produtoras do
conhecimento, devemos nos apropriar das leituras que nos contemplam enquanto
gênero e classe, como Angela Davis: negra, feminista e marxista, que com sua
obra "Mulheres, raça e classe" nos permite entender os acontecimentos
e o difícil caminho trilhado por nós e as causas de nossa posição totalmente
desigual na sociedade, inclusive no mundo da ciência e do conhecimento, mas que,
acima de tudo, também nos enche de coragem para a transformação. Sejamos
juntas, com nossa voz ativa e embasada, a nossa própria revolução!
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