segunda-feira, 6 de agosto de 2018



Pós-modernidade e luta feminista

A partir da década de 1960, formas socioculturais pós-modernas tornaram-se, de modo mais expressivo, hegemônicas na academia, nas artes e, até mesmo, na compreensão tempo-espaço. Essas formas contribuíram para a valorização e reconhecimento das múltiplas diferenças e subjetividades, envolvendo questões identitárias de gênero, de sexualidade e de raça, trazendo avanços para os movimentos sociais. No entanto, as teorias pós-modernas, contraditoriamente, também foram responsáveis por anular as metanarrativas, ou seja, de acabar com uma narrativa capaz de explicar todo o conhecimento da humanidade ou de buscar uma verdade universal. O conceito de trabalho - como tema central na produção da vida social -, por exemplo, passa a ser mais uma faceta da multiplicidade de nossa organização social. Consequentemente, “apagam” o sentido da existência das classes sociais e da luta de classes para os movimentos sociais.

A ideia pós-moderna consiste em multiplicar a aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico. Essas ideias também estavam presentes na visão de mundo moderna. Podemos, por exemplo, encontrar referidas ideias nas vanguardas do modernismo brasileiro, expressas na semana da arte moderna de 1922. No entanto, ao contrário do pensamento e das expressões artísticas da modernidade, que diante desse caótico pensava em transcendê-lo, a pós-modernidade o aceita como algo definitivo, como algo que não se pode enfrentar ou derrocar. Neste sentido, a perspectiva pós-moderna, de forma genérica, aceita a realidade assim como ela é, já que a humanidade teria chego ao ponto máximo da democracia e do liberalismo, na qual o capitalismo seria o sistema responsável por esse desenvolvimento. Refutam, ainda, que exista um só caminho, um só projeto para a humanidade, enaltecendo o discurso individual de que cada um deve ser dono de seu próprio caminhar, ou seja, de seu destino.

Mas qual sua relação com os movimentos feministas?

Ao mesmo tempo em que essas ideias trazem interpretações sobre as transformações sociais, culturais e econômicas a partir do período citado, os movimentos feministas, permeados de tal teoria, passam a reivindicar e dar ênfase a conceitos como sororidade e empoderamento. Esses conceitos traduzem as lutas identitárias dentro da perspectiva mencionada.

De forma geral e bem resumida, a sororidade tem relação com a identidade cultural e defende a empatia, bem como as formas não preconceituosas dos indivíduos e/ou grupos identitários se relacionarem. Neste sentido, prega que os diferentes interesses de classe não existem, sendo possível uma negociação entre empregadas domésticas e patroas, por exemplo, de forma amistosa, já que são mulheres e podem evitar ações preconceituosas e misóginas.

O problema é quando chegam as crises econômicas, como a crise econômica mundial de 2008 e a atual crise brasileira, onde é possível notar o fracasso desta perspectiva pós-moderna de sororidade na explicação da realidade social.

Sabemos que a classe trabalhadora é a mais atingida pelas crises econômicas, mas as mulheres trabalhadoras, e em especial, as mulheres negras trabalhadoras, são as que mais sofrem por ocuparem os piores postos de trabalho e as piores remunerações. Os problemas dessas mulheres são quantitativamente e qualitativamente distintos dos enfrentados por mulheres negras como as midiáticas Tais Araújo, Gloria Maria, ou, até mesmo, Michelle Obama, por mais que as questões envoltas do racismo as aproximem.

Válido constar que a ex-presidenta Dilma, como segundo exemplo, apesar de ser mulher, reduziu o financiamento para a Secretaria de Política para as mulheres em 22% entre 2014 e 2015.  

Marcela Temer, primeira dama, também apesar de ser mulher, é símbolo de um padrão normativo de submissão e recato demonstrando um retrocesso conservador que atualmente enfrentam as mulheres da classe trabalhadora.

Sob a ótica pós-moderna, a sororidade contribui para individualizar as lutas feministas e enfraquecer o conceito de luta de classes dentro dos movimentos identitários, já que defende a construção de novas atitudes entre as mulheres que poderiam ser construídas com o despertar da consciência de cada uma e da empatia que poderia nascer umas pelas outras através da reafirmação do empoderamento.

O empoderamento, por sua vez, afasta o conceito de classe social para individualizar e tornar subjetivo os processos de opressão e exploração que permeiam a realidade das mulheres da classe trabalhadora.  Tal conceito enfatiza que a mulher não pode se render diante de uma suposta inferioridade feminina, diante de uma suposta desvalorização, fragilidade e desvantagens sociais. Essa perspectiva defende que esses problemas serão resolvidos no momento em que cada mulher tomar consciência do poder que possui para mudar sua forma de viver e lutar para se reafirmar no mundo, enquanto um indivíduo que sabe abrir caminhos e construir oportunidades. Assim, atitudes individuais ganham mais força, diante desse discurso, do que atitudes coletivas - e sabemos o quão problemático é esse quadro para a luta de classes, conforme vimos no texto passado sobre a importância de se organizar.

Vemos o “MC Donalds” fazendo homenagens no 8 de Março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, reafirmando o seu suposto apoio à valorização das mesmas, enquanto oferece trabalho precarizado a elas, com baixo salário e jornadas intermitentes.

Nessa mesma linha, temos o caso do “Banco Itaú” com propagandas reafirmando o empoderamento das mulheres, ao mesmo tempo em que foi condenado a pagar R$1 milhão de reais por assédio moral contra funcionárias e funcionários. Além de ter recebido R$67,5 mil reais de uma ex-funcionária no ano passado quando a mesma, após ingressar com uma ação contra o banco reclamando o pagamento de suas horas extras, acúmulo de funções, entre outras verbas, foi parte vencida obrigada a arcar com os honorários advocatícios da parte contrária – uma vez que, conforme é válido relembrar, a reforma trabalhista aprovada pelo governo Temer que favorece o empregador, ou melhor, o patrão, permite tal absurdo.

A rede de lojas “Marisa” divulga constantemente o empoderamento feminino, mas foi condenada pelo Tribunal Superior do Trabalho a pagar indenização por danos morais a uma ex-funcionária da cidade de Santo André que era submetida, diariamente, a quatro revistas íntimas, bem como, foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a pagar indenização por danos morais por constranger os consumidores.

Para além das menções acima expostas, podemos citar vários exemplos da apropriação desses conceitos pelo mercado, bem como, identificar formas de operação dessa lógica para mascarar a exploração das mulheres trabalhadoras e travesti-la de ganhos culturais que reafirmam supostas conquistas femininas.

Cumpre enaltecer que as mulheres da classe trabalhadora são as que mais sofrem com a precarização do trabalho, a falta de creche, a violência doméstica e sexual de toda ordem reforçada pela cultura patriarcal, mas posta em marcha pela exploração do mercado, ou melhor, pelo sistema capitalista.

Vivemos tempos de crise onde toda a lógica ora apresentada fica ainda mais evidente. Nada melhor que a realidade para questionar as inconsistências do mundo das ideias. Nada melhor que a luta de classes para entendermos a condição de ser mulher na sociedade capitalista/patriarcal. Nada melhor que lutarmos sem nunca perdermos de vista a histórica luta feminista levada a cabo pelas mulheres da classe trabalhadora que defendiam a transformação radical da sociedade de classes. Para isso, é necessário organizar-se em espaços verdadeiramente revolucionários!

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