Pós-modernidade e luta feminista
A partir da década de 1960, formas socioculturais
pós-modernas tornaram-se, de modo mais expressivo, hegemônicas na academia, nas
artes e, até mesmo, na compreensão tempo-espaço. Essas formas contribuíram para
a valorização e reconhecimento das múltiplas diferenças e subjetividades,
envolvendo questões identitárias de gênero, de sexualidade e de raça, trazendo
avanços para os movimentos sociais. No entanto, as teorias pós-modernas,
contraditoriamente, também foram responsáveis por anular as metanarrativas, ou
seja, de acabar com uma narrativa capaz de explicar todo o conhecimento da
humanidade ou de buscar uma verdade universal. O conceito de trabalho - como tema central na produção da vida social
-, por exemplo, passa a ser mais uma faceta da multiplicidade de nossa
organização social. Consequentemente, “apagam” o sentido da existência das
classes sociais e da luta de classes para os movimentos sociais.
A ideia pós-moderna consiste em multiplicar a
aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico. Essas
ideias também estavam presentes na visão de mundo moderna. Podemos, por
exemplo, encontrar referidas ideias nas vanguardas do modernismo brasileiro,
expressas na semana da arte moderna de 1922. No entanto, ao contrário do
pensamento e das expressões artísticas da modernidade, que diante desse caótico
pensava em transcendê-lo, a pós-modernidade o aceita como algo definitivo, como
algo que não se pode enfrentar ou derrocar. Neste sentido, a perspectiva pós-moderna,
de forma genérica, aceita a realidade assim como ela é, já que a humanidade
teria chego ao ponto máximo da democracia e do liberalismo, na qual o
capitalismo seria o sistema responsável por esse desenvolvimento. Refutam,
ainda, que exista um só caminho, um só projeto para a humanidade, enaltecendo o
discurso individual de que cada um deve ser dono de seu próprio caminhar, ou
seja, de seu destino.
Mas qual sua relação com os movimentos feministas?
Ao mesmo tempo em que essas ideias trazem
interpretações sobre as transformações sociais, culturais e econômicas a partir
do período citado, os movimentos feministas, permeados de tal teoria, passam a
reivindicar e dar ênfase a conceitos como sororidade e empoderamento. Esses
conceitos traduzem as lutas identitárias dentro da perspectiva mencionada.
De forma geral e bem resumida, a sororidade tem
relação com a identidade cultural e defende a empatia, bem como as formas não
preconceituosas dos indivíduos e/ou grupos identitários se relacionarem. Neste
sentido, prega que os diferentes interesses de classe não existem, sendo
possível uma negociação entre empregadas domésticas e patroas, por exemplo, de
forma amistosa, já que são mulheres e podem evitar ações preconceituosas e
misóginas.
O problema é quando chegam as crises econômicas,
como a crise econômica mundial de 2008 e a atual crise brasileira, onde é
possível notar o fracasso desta perspectiva pós-moderna de sororidade na
explicação da realidade social.
Sabemos que a classe trabalhadora é a mais
atingida pelas crises econômicas, mas as mulheres trabalhadoras, e em especial,
as mulheres negras trabalhadoras, são as que mais sofrem por ocuparem os piores
postos de trabalho e as piores remunerações. Os problemas dessas mulheres são
quantitativamente e qualitativamente distintos dos enfrentados por mulheres
negras como as midiáticas Tais Araújo, Gloria Maria, ou, até mesmo, Michelle
Obama, por mais que as questões envoltas do racismo as aproximem.
Válido constar que a ex-presidenta Dilma, como
segundo exemplo, apesar de ser mulher, reduziu o financiamento para a
Secretaria de Política para as mulheres em 22% entre 2014 e 2015.
Marcela Temer, primeira dama, também apesar de
ser mulher, é símbolo de um padrão normativo de submissão e recato demonstrando
um retrocesso conservador que atualmente enfrentam as mulheres da classe
trabalhadora.
Sob a ótica pós-moderna, a sororidade contribui
para individualizar as lutas feministas e enfraquecer o conceito de luta de
classes dentro dos movimentos identitários, já que defende a construção de
novas atitudes entre as mulheres que poderiam ser construídas com o despertar
da consciência de cada uma e da empatia que poderia nascer umas pelas outras
através da reafirmação do empoderamento.
O empoderamento, por sua vez, afasta o conceito
de classe social para individualizar e tornar subjetivo os processos de
opressão e exploração que permeiam a realidade das mulheres da classe
trabalhadora. Tal conceito enfatiza que
a mulher não pode se render diante de uma suposta inferioridade feminina,
diante de uma suposta desvalorização, fragilidade e desvantagens sociais. Essa
perspectiva defende que esses problemas serão resolvidos no momento em que cada
mulher tomar consciência do poder que possui para mudar sua forma de viver e
lutar para se reafirmar no mundo, enquanto um indivíduo que sabe abrir caminhos
e construir oportunidades. Assim, atitudes individuais ganham mais força,
diante desse discurso, do que atitudes coletivas - e sabemos o quão problemático é esse quadro para a luta de classes,
conforme vimos no texto passado sobre a importância de se organizar.
Vemos o “MC Donalds” fazendo homenagens no 8 de
Março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, reafirmando o seu suposto apoio
à valorização das mesmas, enquanto oferece trabalho precarizado a elas, com
baixo salário e jornadas intermitentes.
Nessa mesma linha, temos o caso do “Banco Itaú”
com propagandas reafirmando o empoderamento das mulheres, ao mesmo tempo em que
foi condenado a pagar R$1 milhão de reais por assédio moral contra funcionárias
e funcionários. Além de ter recebido R$67,5 mil reais de uma ex-funcionária no
ano passado quando a mesma, após ingressar com uma ação contra o banco
reclamando o pagamento de suas horas extras, acúmulo de funções, entre outras
verbas, foi parte vencida obrigada a arcar com os honorários advocatícios da
parte contrária – uma vez que, conforme é
válido relembrar, a reforma trabalhista aprovada pelo governo Temer que
favorece o empregador, ou melhor, o patrão, permite tal absurdo.
A rede de lojas “Marisa” divulga constantemente
o empoderamento feminino, mas foi condenada pelo Tribunal Superior do Trabalho
a pagar indenização por danos morais a uma ex-funcionária da cidade de Santo
André que era submetida, diariamente, a quatro revistas íntimas, bem como, foi
condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a pagar indenização por
danos morais por constranger os consumidores.
Para além das menções acima expostas, podemos
citar vários exemplos da apropriação desses conceitos pelo mercado, bem como,
identificar formas de operação dessa lógica para mascarar a exploração das
mulheres trabalhadoras e travesti-la de ganhos culturais que reafirmam supostas
conquistas femininas.
Cumpre enaltecer que as mulheres da classe trabalhadora
são as que mais sofrem com a precarização do trabalho, a falta de creche, a
violência doméstica e sexual de toda ordem reforçada pela cultura patriarcal,
mas posta em marcha pela exploração do mercado, ou melhor, pelo sistema
capitalista.
Vivemos tempos de crise onde toda a lógica ora
apresentada fica ainda mais evidente. Nada melhor que a realidade para
questionar as inconsistências do mundo das ideias. Nada melhor que a luta de
classes para entendermos a condição de ser mulher na sociedade capitalista/patriarcal.
Nada melhor que lutarmos sem nunca perdermos de vista a histórica luta
feminista levada a cabo pelas mulheres da classe trabalhadora que defendiam a
transformação radical da sociedade de classes. Para isso, é necessário
organizar-se em espaços verdadeiramente revolucionários!
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