terça-feira, 3 de janeiro de 2017


Misoginia e ódio ao feminismo: sobre o feminicídio de Campinas-SP
Fato já bastante divulgado, na virada do ano, Sidnei R. de Araújo invadiu a festa da família da ex-esposa e a assassinou juntamente com o filho de 8 anos e mais 10 pessoas da família, sendo que dessas, a maioria eram mulheres. O assassino, que também se matou, deixou uma carta cujos trechos foram divulgados e revelaram profunda misoginia (ódio às mulheres e sua liberdade e seus direitos), distorção total do feminismo e das leis que visam proteger mulheres ou dos direitos inquestionáveis de quaisquer pessoas.
Ainda, na carta, Sidnei acusa a ex, Isamara Filier, de impedir que convivesse com o filho. Haviam denúncias por parte de Isamara contra Sidnei, por agressões, ameaça e também por abuso sexual do filho que, mesmo não tendo sido comprovado, serviu para a justiça determinar visitas restritas entre pai e filho. Para além da denúncia, nota-se, com o desfecho final ocasionado por Sidnei, que Isamara tinha motivos suficientes para agir com cautela quando o assunto era a convivência de seu filho com o pai. Muito diferente do discurso de ódio que recai sobre ela atualmente, de “uma mãe que tentava separar o pai do filho”, “uma vadia”, “uma destruidora de lares”, sendo difundido pelas redes sociais.
Toda a história é bastante triste e chocante. No entanto, no conteúdo da carta observamos um discurso de ódio, infelizmente, muito comum na atualidade, disseminado no dia a dia e alimentado por figuras políticas, mídias em geral e ditos líderes religiosos. Expressões como “pessoas de bem”, “cidadãos de boa índole”, “trabalhadores”, “homem honesto”, entre outras que procuram enaltecer características dos agressores e minimizam suas ações. Ao mesmo tempo, referem-se às mulheres de maneira ofensiva – vadias e loucas - afirmando que “defensores dos direitos humanos só defendem bandidos” e “feministas buscam privilégios”. Essas são variantes de falas e textos cada vez mais corriqueiros, que quando fomentados e aplaudidos, culminam em tragédias como esta.
Este infeliz episódio ocorrido em Campinas, assim como outros atos bárbaros que estampam as manchetes e chocam o país, são na verdade a demonstração de que o conservadorismo e a misoginia são sustentados por pequenas atitudes camufladas de “comentários, “cantadas” e “piadas”, por exemplo. Cada mínima atitude machista e fascista, é alicerce para o feminicídio. Cada ódio disseminado contra a luta feminista, é porta de acesso à culpabilização da vítima, até mesmo quando esta foi cruelmente assassinada.
Além desse crime, outros casos também chamaram a atenção por claramente serem motivados por discurso de ódio. Em novembro, o estudante Guilherme Silva Neto foi assassinado pelo próprio pai, por ter posições políticas antagônicas as dele e, em dezembro, o vendedor ambulante Luiz C. Ruas (Índio) foi espancado até a morte por dois “homens de bem” que perseguiam um homem homossexual e uma travesti, somente por tentar ajudá-los (veja nota do Coletivo LGBT Comunista - https://www.facebook.com/LGBTComunistaSP/photos/pb.1093932270622177.-2207520000.1483460748./1600729473275785/?type=3&theater)
Também é comum ver crimes de feminicídio serem desqualificados pela grande mídia. Os agressores e/ou assassinos são chamados de doentes, “portadores de algum distúrbio psicológico” ou, simplesmente, homens apaixonados frustrados com o término de relacionamento, e essa distorção funciona quase como que uma desculpa para o crime. Não raramente, coloca-se a culpa da agressão nas próprias vítimas, com comentários sobre suas atitudes, também um mecanismo de desculpa e desresponsabilização o autor. Sem dizer que, tanto nesse caso quanto em outros parecidos, a grande mídia sensacionalista expõe as mulheres querendo justificar a atitude masculina como se o Código Civil Brasileiro ainda pusesse a salvo a malfadada “legítima defesa da honra” que legitimavam o assassinato das mulheres sob o pretexto de terem sido ofendidos.
O discurso de ódio contra os direitos das mulheres, mas também contra os LGBTs, o povo negro, os imigrantes, além de outras categorias sociais, serve para fragmentar a classe trabalhadora e desmobiliza-la contra o grande Capital. Como se isso não bastasse, essa cultura de ódio vai além, cria seres capazes de destruir vidas em nome dessa ideologia fascista presente no rancor contra a liberdade das mulheres. Nós, feministas, não devemos temer, pelo contrário, por mais tristes que sejam esses atos, eles só devem fomentar nossa luta a mobilizar mais trabalhadoras e trabalhadores contra o discurso de ódio e o fascismo.
A nossa luta continua pelo fim da violência contra a mulher, questionando nossa sociedade patriarcal e a individualização desses atos covardes. O crime ocorrido em Campinas e todos os feminicídios não são atos isolados de homens desesperados ou insanos. São crimes cometidos por homens, há anos, que bebem da masculinidade violenta e do sentimento de posse da vida alheia fomentada pelo sistema patriarcal-capitalista.

O Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro se solidariza com a família de Isamara Filier e busca todos os dias a aproximação e a conversa com trabalhadoras e trabalhadores para construção de uma sociedade com igualdade entre nós!

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